segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Olavo de Carvalho faz a autocrítica do governo Bolsonaro

Como se já não tivesse problemas de sobra, depois da cirurgia no Hospital Albert Einstein, onde deu entrada neste domingo, o presidente Jair Bolsonaro vai ter muito trabalho para dar uma ordenada nos bastidores políticos de seu governo, com a confusão criada nos últimos dias por Olavo de Carvalho. Mas, espera aí: a função de um guru não seria exatamente o contrário, de dar um equilíbrio ao material com que trabalha? Bem, pode até ser, mas não é assim quando esse guru é Olavo de Carvalho.

Desde a eleição de Bolsonaro que o professor de filosofia vem atacando os problemas deste novo governo bem do jeitão dele, com porretadas verbais no Youtube e espinafrações o tempo todo no Twitter e no Facebook. Cercado de centenas de discípulos fiéis, o professor e filósofo é aquele tipo de aliado muito útil enquanto o negócio é cuidar dos adversários, mas passa a ser um estorvo na hora de colocar algo em funcionamento. Desse modo, Olavo já criou sérios atritos com vários parlamentares e lideranças do PSL, partido do presidente, e também com ministros influentes e até com o próprio vice-presidente, general Hamilton Mourão.

Em vídeos do Youtube, o professor dá de dedo em ministros como Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general da reserva que faz parte do círculo militar altamente influente em torno de Bolsonaro. O presidente foi seu cadete na Academia Militar das Agulhas Negras, nos anos 70. Outro general que recebe pitos agressivos de Olavo é o vice Hamilton Mourão.

O tema usado como base para sua mais recente aparição no Youtube foram as ameaças que o deputado Jean Wyllys afirma estar recebendo. Em relação a isso, Olavo acha que existe uma desproporção na atenção que a mídia tem dado ao deputado do Psol, em detrimento ao que acontece com ele, que, segundo o que diz, sofre muito mais ataques. Ele ainda se queixa de não ter a solidariedade do governo.

Ele relembra até as ameaças que sofria no tempo do Orkut, nenhuma delas documentada porque, como explica, não teve tempo para gravar as mensagens ou fazer seus prints. Tampouco seus alunos o fizeram. Não atenderam aos pedidos do professor, que diz ter feito o pedido muitas vezes em suas aulas.

Olavo é naturalmente hiperbólico. E como todo hiperbólico, também é incrivelmente exagerado em números na sua imensidade argumentativa. Diz que no tempo do Orkut havia “cinco mil pessoas” escrevendo todos dias contra ele. Só no extindo Orkut, ainda segundo suas contas, esse material é de “mais de cem mil páginas”. Mais à frente, aparece outro número no meio de sua fala, quando ele traz o assunto para os dias de hoje, afirmando que atualmente este volume “ultrapassa quinhentas mil páginas”. Sim, isso mesmo: quinhentas mil páginas.

Os conflitos criados por Olavo agora assumem uma dimensão política que atinge o governo Bolsonaro. Para se ter uma ideia da confusão, nas suas últimas intervenções públicas ele ataca as Forças Armadas. Já faz muitos anos que ele vem fazendo esse papel crítico do movimento de 1964. Desde os anos 70 o professor atua nos bastidores, junto ao setor linha-dura do Exército Brasileiro, onde pelo jeito nunca teve respostas à altura de suas expectativas e do esforço de proselitismo feito em palestras para militares da reserva e em contatos pessoais com milicos de pijama.

Em seu último vídeo ele diz o seguinte: “Acuso formalmente as Forças Armadas por omissão de terem aberto o caminho para a conquista do poder pelos comunistas”. Ele diz que os militares: “entregaram o capitão para boi de piranha”, se referindo às denúncias contra um dos filhos de Bolsonaro. A acusação atinge o círculo de militares em torno do presidente, que ele também critica de não serem rigosos com a imprensa. “Você não tem vergonha, Heleno? Você não tem vergonha, Mourão?”, ele pergunta em vídeo postado recentemente. Se referindo aos generais, eles diz o seguinte: “Militar, quando está diante de repórteres ou de figuras do show business, se mija nas calças, de temor reverencial e de prazer”.

É difícil sintetizar o que Olavo vem fazendo no Youtube, onde se adaptou à linguagem fragmentada e histérica que tomou conta do pedaço. Antes de fazer sucesso na internet, o professor já usava bastante a técnica de misturar contextos e recortar a realidade de uma forma que servisse para expor sua opinião. Bem, isso pode funcionar com relativa qualidade no texto escrito, que permite ao autor criar uma base sólida para a compreensão do leitor. Mas em vídeo o resultado tem quase sempre o mesmo efeito artificial e sensacionalista que deu fama à figuras muito idiotas, que ganham bastante dinheiro como “youtubers”.

Parece que Olavo de Carvalho perdeu o ponto onde a sólida construção do filósofo confundiu-se no volúvel sucesso das redes sociais.  E agora é tarde para essa avaliação. O descontrole se entremeou à eleição de um presidente que ele pretensamente julga ser o escolhido para colocar em prática teses que sequer foram colocadas em ordem.  É óbvio que o destino de sua filosofia de youtuber é dele próprio ser descartado como influência de um governo que atualmente ele atrapalha, mesmo tendo sido, sem dúvida, essencial na sua eleição.

Na área do pensamento, o que Olavo vem fazendo ultimamente pode ser polêmico, instigante, talvez até muito divertido, mas na política prática, que é o ponto em que se estabelece o tema central de seu discurso e deveria ser o objetivo de suas preleções, isso cria apenas confusão. É mais do que uma falha técnica que ele não esteja sabendo disso. O erro parece vir de um desajuste psicológico, que espero não ser mais sério do que aparenta o que é visto no Youtube e pode-se ler pelo Twitter e no Facebook.
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POR José Pires

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