Em meio a uma crise sanitária sem precedentes, de gravíssimas conseqüências econômicas e outras sérias complicações que evidentemente exigem equilíbrio, planejamento e unidade política, o presidente Jair Bolsonaro entrará nesta segunda-feira com o Ministério da Saúde sem um comando. Não tem ministro, não se sabe qual afinal é a política do governo para o enfrentamento do coronavírus, enquanto o vírus vai dizimando os brasileiros em quantidade assustadora. O número de mortes já passou de 15 mil — com óbitos todos os dias próximos da casa do milhar.
O Brasil já é o quarto país do mundo com mais casos de coronavírus, com 233.142 mil. De sexta para sábado foram acrescentados 14.919 ao balanço assustador e tem sido assim dia após dia, o que permite um prognóstico triste sobre a mortandade que se avizinha. Para quem se lembra como era aterrorizante há cerca de dois meses saber do desastre que menos de 10 mil mortes vinham causando na Itália, dá até medo do que vem por aí.
Bolsonaro, no entanto, mantém-se na mesma toada. Não marcou nenhum churrasco para este sábado nem pilotou jet ski, mas chamou seus desajustados seguidores para fazer furdunço neste domingo na frente na rampa do Palácio do Planalto. Como costumo dizer, só mesmo o Bolsonaro.
O país vai entrar nesta segunda-feira com 15.633 mortes — eram 14.817 mortes na sexta-feira — e o presidente mantém-se um negacionista, ignorando a mortandade. A impressão que ele passa é que está até gostando do aperto que os brasileiros passam com o Covid-19. Bem, para ele teve uma vantagem, já que ficou impossível ter manifestações de rua para exigir que dirigentea políticos cumpram suas obrigações e tirem pela via democrática esse desequilibrado do poder.
A tragédia nacional parece também favorecer outros propósitos de Bolsonaro, daí sua satisfação com o que vem acontecendo. E quanto ao triste sofrimento causado por uma doença que não permite nem chorar ao lado dos mortos, ele já disse: “E daí?”. Bem, e daí que o Brasil segue para um destino atroz, sem que sequer tenhamos um ministro da Saúde. Pois Bolsonaro devia deixar a médica Nise Yamaguchi assumir o Ministério da Saúde. É óbvio que ela está querendo muito o cargo e creio que os dois irão se dar muito bem.
Eu poderia dar inúmeros exemplos da habilidade dessa médica em proporcionar a um fanático a resposta que ele precisa, com a garantia de acabar com problemas complexos usando as soluções imediatas e mais fáceis, mas fiquemos no que é mais recente, de uma entrevista à CNN Brasil logo depois da queda em menos de um mês do segundo ministro da Saúde.
Nise Yamaguchi falou sobre a profusão de cloroquina, a panacéia de Bolsonaro para o vírus. “Nós precisamos disponibilizar para a população. Isso é fundamental, tanto na produção, quanto na importação de insumos, distribuição e acesso”, ela disse. Bacana, não é mesmo? Como não concordar com ela sobre a importância “da importação de insumos, distribuição e acesso”. A doutora é desse jeito, de uma maestria em obviedades. E não estou destacando nada. Todas as declarações da médica da cloroquina são com estas pontificações acacianas, apontando com ares professorais o que é mais óbvio.
Querem mais um exemplo? Ela chega a dizer que com a cloriquina “o Brasil não será um epicentro, e sim um exemplo”. Isso mesmo, daremos uma rasteira em todos os outros países, com seus governantes e especialistas e todas suas populações tomando conhecimento dessa nova modalidade do jeitinho brasileiro: a cloroquina. Mas a doutora Yamaguchi não fica só nisso. Falando sobre novo protocolo do governo que coloca o uso da cloroquina em primeiro plano — que ela acredita que “vai mudar o curso da doença e da pandemia” —, a médica diz o seguinte: “Eu tenho a certeza que estas normas podem ser incorporadas rapidamente a um modelo de atuação que seja ágil, concreto e eficiente”.
Pegaram o jeito da coisa? Imaginem a satisfação de Bolsonaro ao saber que, ao contrário do que os chatos do Mandetta e Teich diziam, as coisas são até mesmo mais fáceis do que ele próprio pensava.
Bolsonaro encontrou na medicina alguém à altura daquele outro guru governista, Olavo de Carvalho. A doutora Yamaguchi tem também aquela habilidade de fazer parecer que diz algo muito inteligente usando para isso colocações muito óbvias. É provável até que ela saiba javanês, lingua que evidentemente todo mundo sabe que o guru de Bolsonaro domina muito bem. Olavo que se cuide: Nise Yamaguchi é que pode passar a ter razão.
Seu entusiasmo com a cloroquina não se abala nem com ponderações quanto às gritantes dificuldades logísticas em meio a uma crise que abalou estruturas de saúde que já não vinham bem. Vamos a mais uma pílula de sabedoria da doutora da cloroquina. Falando sobre o remédio, ela disse que o general Eduardo Pazuello, ministro interino da pasta, vai fazer com que ele seja bem distribuído a todas as regiões. “Me parece que ele está disponibilizando algum decreto nesta direção”, ela disse.
Fácil, não é mesmo? O general devia aproveitar e decretar também respiradores para todos os estados. E leitos hospitalares, se não for pedir demais. Eu bem disse que Bolsonaro encontrou a ministra ideal. Faça logo a nomeação, presidente. Vai facilitar até aquele hábito de publicar determinações no Diário Oficial dispensando a opinião de ministros. Já vejo o ex-capitão de estetoscópio no pescoço e roupa branca receitando sua cloroquina às tortas e às direitas, com a doutora assinando tudo em branco, sem nenhuma preocupação com qualquer efeito colateral. Os doentes que usem seus físicos de atletas, ora bolas.
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POR José Pires
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