O presidente Jair Bolsonaro fez mais um pronunciamento em rede nacional, nesta segunda-feira, com uma manipulação muito feia sobre a fala de outra pessoa. Desse modo, ele repetiu a sujeira do pronunciamento anterior, também sobre a crise do novo coronavírus, quando citou fora do contexto um vídeo do médico Drauzio Varella. Fez o mesmo agora, tentando usar uma fala do presidente da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus, para favorecer sua posição a favor de acabar com o isolamento social colocado em prática por prefeitos e governadores, também indicado pelo Ministério da Saúde.
Bolsonaro fez um recorte na fala do presidente da OMS, com um apelo para que governos levem em conta a população pobre na decretação de quarentenas, como se com isso Ghebreyesus estivesse sendo favorável ao isolamento vertical. No entanto, Bolsonaro não mencionou que Ghebreyesus simplesmente defendia a necessidade de dar ajuda a essas pessoas, reiterando a posição da entidade que preside, da continuidade do isolamento social.
Bolsonaro tirou do contexto a fala de uma autoridade mundial para validar suas incitações ao abandono do isolamento e a volta ao trabalho, na contramão do que todos os países atingidos pelo vírus estão fazendo para achatar a chamada curva de contaminação. Desonestamente, o presidente tentou transformar uma mensagem de solidariedade em um apoio aos seus ataques ao isolamento social. Bolsonaro criou o discurso oficial com fake news. A OMS já fez um desmentido, também oficial.
Claro que com isso ele aumenta sua rejeição internacional, dando ao Brasil a imagem de uma republiqueta comandada por um desmiolado. Bolsonaro distorceu a fala do chefe da OMS para no meio de uma pandemia. Não é qualquer presidente que faz isso em um discurso oficial.
Como eu já disse, depois de dar conta do coronavírus, os brasileiros terão de decidir se permanecem com este empecilho na presidência da República, até porque estão previstas outras crises mundiais, entre elas, a mais aterrorizadora de todas, que é a do aquecimento global. Não há fake news que recomponha o gelo nos polos da Terra, que, falando nisso, é redonda.
A crise do coronavírus exige um redirecionamento da política econômica do governo, com amparo aos mais pobres e auxílio direto aos trabalhadores informais, além de uma mudança total do padrão que o ministro Paulo Guedes queria implantar no Brasil, do desmantelamento do Estado e abertura incondicional ao mercado. Isso é exatamente o que não funciona em época de crise, como já se sabe pelo menos desde o New Deal, programa econômico implantado nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, pelo governo do presidente Franklin Delano Roosevelt, que acabou com a depressão americana, abrindo caminho para os Estados Unidos como potência econômica mundial.
O dilema deve ser muito complicado para um discípulo da Escola de Chicago, ainda mais que Paulo Guedes está entre os mais radicais, com uma visão ultraliberal de como deve ser a condução econômica de um país. A transformação imediata de Donald Trump em um keynesiano mostra o caminho que o Brasil deveria tomar, ainda mais rápido que o maior ídolo político de Bolsonaro, já que por aqui as condições materiais são bem menores que nos Estados Unidos.
Numa crise como a do coronavírus, com suas graves consequências econômicas, esfarela-se o mito do mercado como ativo transformador do progresso da humanidade. Políticos liberais estão obrigados a se amparar na ação do Estado que sirva, sem trocadilho, no mínimo como paliativo para o desespero coletivo.
Como pode-se observar na história mundial, com todo o século 20 como exemplo, nas crises o mercado costuma dar no pé, correndo de um lado para o outro procurando explorar os lugares com menor imunidade à sua sede de lucros mais facilitados. É aí que receitas como as do economista britânico John Maynard Keynes não caem nada bem ao estômago de tipos como Paulo Guedes.
Vale repetir que isso cristaliza a visão de que o liberalismo não tem mecanismos para o enfrentamento de situações que afetam com mais perigo nossa existência ou, para usar uma imagem apropriada ao momento terrível que vivemos, quando a mão invisível que cai sobre os seres humanos não é a da ilusão liberal de um arranjo mágico das forças econômicas, mas um vírus mortal que para ser contido no seu trágico extermínio de vidas humanas exige medidas que afetam pesadamente a estrutura material por onde ele passa.
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POR José Pires
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Imagem- à direita do desorientado ministro Paulo Guedes, o economista John Maynard Keynes, que
há muitos anos falou o seguinte: “Quando mudam os acontecimentos, mudo de ideia”. Mas é claro
que para isso — e agora eu que digo — é preciso ter uma.
que para isso — e agora eu que digo — é preciso ter uma.
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