quarta-feira, 13 de maio de 2009

Anunciando a própria morte

“Lamentavelmente, se você está assistindo a esta mensagem é que eu, Rodrigo Rosenberg Marzano, fui assassinado pelo senhor presidente Álvaro Colom, com a ajuda de Gustavo Alejos e do senhor Gregorio Valdez”. Estas são palavras que um advogado morto a tiros no domingo passado na capital da Guatemala deixou gravadas em vídeo.

Álvaro Colom é o presidente do país, Alejos, secretário particular da Presidência, e Valdez é um empresário ligado ao governo. No vídeo, com 18 minutos de duração, o advogado assassinado afirma que sua morte se deve ao fato de ele ter sido “até o último momento advogado do empresário Khalil Mussa e sua filha Marjorie Mussa”, ambos também mortos a tiros em 14 de abril último.

Rosenberg, de 47 anos, foi morto próximo de sua casa, por homens usando dois veículos. Sempre segundo as palavras que deixou gravadas, a razão do assassinato seria ele se negar a encobrir “negócios ilegais e milionários que se negociam no Banrural”, Banco de Desenvolvimento Rural, de capital misto. Segundo uma declaração escrita deixada por ele, os crimes vão desde lavagem de dinheiro até o desvio de fundos públicos, assim como o financiamento de empresas fictícias usadas pelo narcotráfico. Rosenberg acusa também a primeira-dama, Sandra de Colom, de fazer parte do esquema de corrupção.

No final do vídeo, Rosenberg faz praticamente um apelo ao golpe contra o presidente Colom, ao fazer um chamamento ao vice-presidente Rafael Espada para que seja “o primeiro a encabeçar um movimento para recuperar nossa Guatemala, e fazer cumprir as leis com a ajuda de todos os bons guatemaltecos que o apóiam sem reservas”.

O assunto chama a atenção pela inserção da violência costumeira da América Latina na moderna tecnologia da internet. Um crime que, do modo antigo, estaria restrito aos guatemaltecos e, mesmo assim, poucos deles, salta para as telas de computadores de todo o mundo. Usar a internet para revidar aos tiros de matadores: nisso acho que ninguém tinha pensado.

O governo da Guatemala evidentemente nega o envolvimento do presidente nos crimes mencionados no vídeo e até anunciou sua disposição de “aceitar o apoio de qualquer país ou organismo internacional para o esclarecimento do crime”.

O depoimento de Rosenberg foi gravado de forma amadora, aparentemente por ele mesmo. Tem ruídos de fundo, como buzinas, falas de transeuntes e até sirene. Que peça política o advogado acabou deixando. Compôs um réquiem político. E é possível que não seja a única. Alguém que anuncia a própria morte desse jeito, deve ter deixado algo mais.

De qualquer modo, existe a possibilidade de ele ter sido morto até por membros da oposição. Levando em conta o que se conhece da política guatemalteca, não duvido que sabendo da existência de tal vídeo os adversários do presidente fariam eles próprios o serviço para incriminar o governo.

Álvaro Colom é o primeiro presidente social-democrata a chegar ao poder após 50 anos de governos direitistas em um país com um histórico impressionante de crimes políticos. Mesmo para os padrões latinoamericanos.

Este é também um problema para a diplomacia do governo Lula. Na posse do presidente guatemalteco, em janeiro do ano passado, o Palácio do Planalto informou que seu governo era da mesma linha política do governo petista e que Colom era, inclusive, “um admirador” de Lula.

E ao receber Álvaro Colom no Brasil três meses depois da posse, Lula falou de improviso e soltou uma daquelas banalidades costumeiras, quando faz sua autocrítica falando do rabo alheio, mas desta vez, mesmo que sem querer, acertou em cheio. “Eu estive na sua posse, em janeiro. Você tem quatro anos [de governo] e deve ter descoberto que governar é muito mais difícil que discursar no palanque durante a campanha”, disse o petista.

Um vídeo desses no começo do mandato é pra qualquer presidente sentir saudades até mesmo dos palanques da Guatemala.

Para ver o depoimento de Rodrigo Rosenberg Marzano, clique aqui.
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POR José Pires

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