terça-feira, 19 de maio de 2009

A doença na política

Mesmo sem o câncer a candidatura da ministra Dilma Roussef não é coisa de país sério. Dá pra imaginar um presidente norte-americano, por exemplo, seja do partido Republicano ou Democrata, nomeando um ministro para seu sucessor? Não dá.

Mesmo no Brasil, lugar que os políticos parecem ávidos de tornar desesperançado, de má-qualidade, ridículo até, coisas como a candidatura de Dilma Roussef envergonham. Mesmo sem a doença, repito.

A candidatura da ministra deveria envergonhar até o PT, que da bravata saltou para a sabujice. Não tem partido mais capacho, ou melhor — usemos um apelido mais condizente com suas origens —, pelego que este. Dilma sequer é uma petista histórica. Disso se fala pouco, o partido até busca esconder este debate interno e, do jeito que os petistas são, logo mais inventam uma lorota para encaixá-la na história do partido.

Na verdade, Dilma Roussef é cria do brizolismo gaúcho. Se ela tem algo de histórico, é na criação do PDT que sua história se insere. Bem, na época o PDT é que era a possibilidade de poder na política gaúcha. E poder foi o que ela sempre quis. Tanto que até pegou em armas para isso.

E o poder veio logo mesmo. Ela passou por governos brizolistas, foi secretária de Minas e Energia no governo Alceu Collares, um governo desastroso não só para o Rio Grande do Sul como também para a democracia brasileira ainda em surgimento. Com a vitória de Olívio Dutra, do PT, retornou à secretária de Minas e Energia. O governo de Dutra, é bom lembrar, foi o primeiro e último do PT naquele estado.

No final de 1999 o PDT rompeu com o governo do petista Dutra. O PDT então já estava em queda, sem poder no estado. E Dilma Roussef saltou para o PT.

O PT gosta muito de falar da construção da nossa democracia, tarefa na qual supervaloriza seu papel. Não foi bem assim como eles contam. Em muitos episódios importantes da história recente, o PT mais atrapalhou do que ajudou.

Mas mesmo atrapalhando, muitas das lideranças petistas estavam lá de fato. Com posições que até hoje acho tolas, mas estavam lá. E Dilma Roussef? Procurem sua participação na história recente, em nossa redemocratização. Tem o seu papel na luta armada, empreendimento que, além de equivocado, foi também uma ação política tecnicamente desastrosa. A própria Dilma foi peça importante em um racha destrutivo em sua organização, a VAR-Palmares. É bom que se diga que os grupos armados sempre fizeram mais mal à luta pela democracia do que a própria ditadura. Foram sempre equivocados e ao contrário do que fazem hoje, tentando se encaixar historicamente no papel de combatentes pela democracia, na verdade buscavam instalar por aqui uma ditadura comunista no lugar da ditadura militar nativa. Além disso, foram incompetentes no que se propuseram.

Fora sua posição na luta armada, de resto bem nebulosa, Dilma Roussef não existe em nossa história recente. Foi retirada de um vazio por Lula. Nem no Rio Grande do Sul é possível encontrar algo de importância feito por esta mulher.

No estado, aliás, o que se conhece é uma pessoa de perfil meramente industrialista, avessa ao respeito ao meio ambiente e à compatibilização entre progresso e ecologia. Isso os gaúchos conhecem bem.

A candidatura de Dilma Roussef é uma piada que ridiculariza nossa democracia conquistada com o maior esforço — democracia, repito, que correu perigo até de ser destruída pelo grupo de luta armada da ministra. Ridiculariza também o sistema partidário.

Sua vitória seria uma pedra sobre a democracia representativa brasileira, que já não é lá essas coisas. Começaríamos o período do coronelismo federal, onde o presidente decide quem irá sucedê-lo. POr aqui, sempre se temeu a mexicanização da nossa política. Dilma na presidência seria pior que qualquer mexicanização.

Esta candidatura é uma piada contra o Brasil. Mesmo sem a doença da ministra. Mas o uso que o governo Lula passou a fazer desta doença piorou bastante o enredo. Tornando o câncer um "case de marketing" criou uma candidatura com uma condição especial. Suponhamos que a candidatura prossiga até o final, até o período dos debates. Lula terá então uma candidata praticamente impossível de ser tratada de forma uma pouco mais agressiva numa discussão política. É óbvio. Quem vai poder ser rigoroso com uma doente em tratamento contra o câncer? Essa deve ser a blindagem perfeita.

O governo de Lula é maquiador dos fatos, isso sabemos bem. Nada de verdadeiro vem do Palácio do Planalto. Porém, até o oposicionista mais convicto talvez não esperasse que o petista viesse a tentar maquiar o cãncer.

Ontem a ministra teve que voar às pressas para um hospital de São Paulo, mas mesmo assim o Palácio do Planalto tentou simplificar informando que "o motivo da viagem era a necessidade de uma avaliação médica". Se tivessem tempo, é provável que procurassem disfarçar arrumando uma obra do PAC para a ministra visitar em São Paulo.

É interessante como este modo de fazer política de forma obscura acaba contaminando todas as atitudes do cotidiano, mesmo que haja o risco para a vida de uma pessoa. Pois não foi o próprio governo que, no anúncio da doença, veio com a informação, uma novidade fantástica da medicina, de que a ministra faria quimioterapia "apenas" para evitar a volta da doença? Ora, em todo mundo a quimioterapia é vital para o ataque completo à doença. E o governo quer nos convencer que só não é assim com a ministra. No seu caso seria só para evitar a volta.

Se não fosse o drama da situação, pensaríamos em mais uma piada de mau gosto de Lula. Tentar enganar numa situação dessas é uma tolice, levando em conta que são poucos os brasileiros que já não conviveram com esta doença, tendo algum familiar ou conhecido acometido de algum tipo de câncer. Todos sabem muito bem que até o câncer menos letal traz para todos em volta do doente uma carga imensa de sofrimento emocional, além dos problemas físicos comuns de uma doença cujo tratamento tem dolorosos efeitos colaterais.

Tentar criar uma imagem de força em torno da ministra, como se ela tivesse um poder pessoal de superação do problema e também como se fosse este o fator essencial para a cura pode até parecer um marketing eficaz, mas é também um desrespeito aos demais doentes. É também má-informação travestida de conhecimento médico, o que é sempre ruim.

O que cura o câncer são as modernas técnicas científicas, bons hospitais e bons remédios (como um dos remédios que Dilma está tomando, o MabThera, que custa oito mil reais o frasco e que não está disponível no SUS). Ontem a ministra sentiu dores na perna e fretou um avião para ir direto a um dos melhores hospitais do país, o Sírio Libanês, em São Paulo. Sem fila, nada de marcar hora, assim dá para acreditar que a saúde no país está "próxima da perfeição".

Porém, um doente pobre (são mais de 10.000 doentes com linfomas no país), que more em Capão Redondo, só para tomar como exemplo um lugar na mesma cidade do hospital, terá dificuldade até para pagar um táxi. Caso ele more em Brasília, como a ministra, terá que se virar por ali mesmo. Ah, sim, este doente também não tem verba para o MabThera. É óbvio então que suas chances será sempre menores que as da ministra.

Todos os ingredientes políticos em torno da candidata de Lula à sua sucessão sempre foram péssimos. Com a doença ficaram ainda piores, pois acrescentaram uma carga humana de sofrimento que deveria ficar de fora da política. Isso não parece bom para a saúde da doente. E é péssimo para a saúde política do país.
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POR José Pires

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