sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Envelhecer também é "cosa mentale"

Mas a consciência da velhice pode ter um peso diferenciado para cada um. Todas as pessoas de quem vale repetir uma opinião garantem que é uma droga envelhecer. A mudança da composição para a decomposição, como dizia o bem-humorado Tom Jobim, é realmente difícil de agüentar. Ainda não cheguei lá, mas não é agradável saber que dentro de alguns anos não vou poder correr pelo mato em cima de uma bicicleta como faço agora.

Este desconforto só pode ser evitado com uma preparação mental, é claro. O negócio é entender gradativamente que não se pode chegar aos setenta, oitenta muito menos, de bicicleta. É preciso chegar andando. Seria melhor chegar de bicicleta e daria até um epitáfio melhor, mas fazer o quê, não?

O Laerte está perplexo com a rapidez do tempo. A aceleração ele afirma que vem com a idade. Ele explica dessa maneira essa consciência que de certo modo o atormenta: “Uma rapidez estonteante, que se associa à falta de produtividade. Para um garoto, 12 meses fazem uma diferença brutal. Quantas coisas se modificam num intervalo tão pequeno! Já para um cinquentão, 12 meses normalmente não representam nada. Tudo permanece idêntico”.

Aí temos que voltar ao que falei, sobre as percepções diferenciadas sobre a vida e a consciência da idade. Este é um dado que diferencia a juventude da velhice. É muito difícil para um jovem ter consciência existencial, já para um velho esta consciência pode ser plena. O problema é que isso chega quando já temos menos tempo.

O Laerte está vendo tudo se acelerar e isso o angustia. Tenho dez anos menos que ele, que já vai para os sessenta, mas vejo isso de forma bem diferente. E ele diz que tem essa sensação desde os quarenta anos. Leonardo da Vinci, que para sua época morreu bem velho, com 67 anos, dizia que a arte é “cosa mentale”. Tudo é.

Costumo percorrer de bicicleta pelo menos três vezes por semana uma estrada de terra bem acidentada. Percebo sempre que a estrada nunca é a mesma. Falando dessa forma devo parecer um velhinho oriental conversando com um discípulo, mas esta é a realidade que vejo. Esta estrada é sempre transformada pelo que está se passando em minha cabeça. Claro que os aspectos exteriores também contam — uma luz diferente ou a cerração de um dia chuvoso, tudo influi nesta percepção — mas como dizia o bom e velho Leonardo, o que vale mais é a "cosa mentale". De forma que sigo sempre através de um universo novo numa simples estrada.

Mas e a velocidade? É só a externa, da bicicleta. O segredo é ser ágil só por fora. Por dentro é preciso estar equilibrado e deixar a tarde se alongar.

Algumas vezes alguém vem me dizer que a vida é curta. Pois eu acho o contrário e não é que eu esteja querendo sair de cena, ainda que viver no Brasil esteja ficando cada vez mais chato. Um ano é bastante tempo, em dez anos dá para fazer muita coisa. E posso passar a tarde toda pensando em apenas alguns minutos que passei com alguém.

Mas voltemos ao Laerte e a sua mania de se vestir de mulher. Não é preciso deitar no divã, mas acho que posso ajudar. Um de seus problemas, como ele mesmo confessou, é o tempo se acelerando, não? Pois então ele encaminha de forma errada esta questão.

Desse jeito ele vai perder ainda mais tempo, pois como qualquer mulher sabe e os maridos também, uma mulher gasta horas em frente ao espelho para se montar como se fosse uma perua coroa, esforço que até vale em certas coroas bem apanhadinhas, mas que não está dando bom resultado para o colega, como vejo pela foto.

Desse jeito o Laerte deixa de se beneficiar de uma das vantagens de envelhecer, que é o desprezo à convenções sociais. Quem na juventude já via como besteira o respeito aos modos de se vestir ou de se comportar, com o passar dos anos fica ainda mais certo disso. Daí que com a idade a gente aprende que é melhor aproveitar a vida do que perder tempo escolhendo roupa.
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POR José Pires

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