sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A política como ficção

O artificialismo que domina a comunicação na política acabou criando uma situação muito interessante e que podia estar sendo usado como uma referência para o debate do papel do marketing em nossas eleições, mas infelizmente o fato nem sequer está sendo noticiado. O ator que atua como apresentador do programada da Dilma Rousseff na TV e que foi usado também para atacar a candidatura Serra já havia ancorado o horário político que comemorava os 20 anos do PSDB.

É claro que no programa de aniversário dos tucanos o PSDB foi colocado nas alturas. Como se vê na imagem acima, a propaganda mostra o partido como o grande transformador do país. Já no programa da candidata do PT, como se vê na imagem abaixo, o ator diz que o PSDB é exatamente o contrário.

Logo que foi revelada a dupla atuação do garoto-propaganda, os marqueteiros da Dilma tiraram rapidamente o rapaz de cena. Desde então a única manifestação que apareceu sobre o assunto foi um vídeo pstado no Youtube, muito bem bolado por sinal, que junta os ataques da campanha de Dilma aos tucanos com os trechos em que o ator elogia o PSDB na comemoração dos 20 anos do partido. É bem simples, exatamente na medida que dá a eficiência a esse tipo de criação. Ele pode ser visto aqui.

Os sites jornalísticos ignoraram o assunto do ator fazendo a propaganda do PSDB e depois do PT, o que é um erro danado, pois nesta comunicação conflitante, tendo como centro um mesmo ator atuando para dois grupos que, mais que adversários, hoje são inimigos praticamente inconciliáveis, está o grande tema desta eleição e que infelizmente tomou conta da política brasileira. É a encenação cotidiana da política, com a exclusão de qualquer conteúdo autêntico que não atenda o interesse circunstancial das campanhas.

A coisa está feia. Hoje em dia um candidato ético, que aja com coerência e seja verdadeiro corre um risco danado de ser expulso da campanha pelo marqueteiro.

Já vimos nesta eleição tanto a Dilma batalhando pela eleição de Tancredo Neves quanto o Serra tratando como grande estadista o presidente Lula. E a coisa não melhora: os dois não largam a Bíblia. Os dois lados da disputa tentam minimizar essas questões, mas a verdade é que esse tipo de falsificação histórica e a falta de posicionamento coerente podem ter consequências muito graves e bem além deste período eleitoral.

Esta esterilização da política é tão grave que muitas vezes as campanhas dão guinadas abruptas e mudam de rumo de um dia para o outro, forçando até o abandono de opiniões identificadas historicamente com a candidatura.

Mataram até o velho chavão que identificava militantes e personalidades da política como “atores políticos”. Hoje só tem ator mesmo. Daí as confusões como esta do rapaz que falava bem do PSDB até há pouco tempo e nestas semanas fazia o mesmo sobre o PT.

Esta situação tem uma simbologia excelente desta farsa instalada na vida brasileira. A própria disposição do ator em atuar em campanhas com posições tão diferentes e que até se acusam mutuamente é um sintoma significativo da falta de senso que rege hoje não as relações profissionais nesse meio, mas também a falta de qualquer compromisso real que é a essência do marketing político.

A ação enganadora do ator, desta vez como profissional, ao não revelar ao marqueteiro do PT que antes já havia feito um trabalho semelhante para o partido adversário é um outro sintoma perigoso. Limites foram ultrapassados de tal forma que, hoje em dia, até as relações mais simples começam a ser desestabilizadas.

A situação é tão grave que nem é possível acusar o ator de ter agido com desonestidade, já que o próprio propósito do trabalho para o qual foi contratado pelos dois partidos não tem nada a ver com ética alguma.
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POR José Pires

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