quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O poder sem escrúpulo algum

Essa conversa que os petistas trouxeram para a internet sobre o e-mail apócrifo que fala em lesbianismo, acaba liberando a discussão de um assunto que, de outra forma, ocuparia apenas o espaço da lixeira em correios eletrônicos. Nunca vi sequer uma menção disfarçada ao tema do suposto lesbianismo de Dilma em nenhum blog ou site, mesmo os que são de oposição radical ao PT.

Não dá para dizer o mesmo dos blogs e sites governistas. Os ataques ao candidato Serra são de um nível que passa da calúnia e da difamação. Nada tem de debate político. Já vi até acusações bem graves que tocam em sua vida íntíma.

É tamanha a agressividade que obriga até o petista mais empedernido a concordar que, no tocante à democracia, os tucanos estão bem à frente deles. Não se fazem de vítima, como fazem sempre os petistas, e tampouco ameaçam ou processam nenhum blog. Suportam até as grosserias e leviandades como parte do debate político.

Não faltam ataques grosseiros também à Marina Silva. Nas últimas semanas ficou conhecido um desses ataques à candidata do Partido Verde, feito por um dos autores de um dos blogs mais antigos em apoio à Dilma, o Blog da Dilma, que evidentemente deve ter ligação direta com a campanha da candidata.

A agressividade é impressionante e mais impressionante anda é a falta de capacidade política para compreender a importância que Marina teria neste segundo turno. O texto foi publicado cerca de uma semana antes da eleição. É também um grave erro de avaliação. Não perceberam o potencial da candidatura do PV.

No texto, Marina é chama de "traíra". Um trecho: “Marina mostra que não tem pudor nem ideologia, é só uma ecochata fazendo o jogo sujo do poder por despeito e vingança". Noutro ponto, a candidata é atacada de forma mais pessoal, na sua relação com o líder seringalista Chico Mendes, que foi para ela uma espécie de mestre na política. Leiam: "Traiu também a memória de Chico Mendes quando se uniu àqueles que, disfarçadamente, alegraram-se com a morte do grande líder seringueiro". Com a repercussão negativa da publicação do feroz ataque, ordens superiores devem ter determinado a exclusão do post, o que foi feito pelos responsáveis pelo Blog da Dilma. Mas já havíamos copiado. Quem quiser ler na íntegra, clique aqui, onde está também o fac-símile da página do blog.

Num outro site da internet, da revista eletrônica Nova-e, um articulista resolveu chamar José Serra de “José Serra, o Escroto”. Isso mesmo. É um absurdo, mas é a pura verdade. A Nova-e até já teve um bom conteúdo. Hoje é um site de um assunto só: a eleição de Dilma. O petismo tem esse poder de contágio: torna ilegível tudo que toca.

Pois o articulista da Nova-e resolveu chamar o candidato tucano de “José Serra, o Escroto”. Vai parecer sempre inacreditável, mas é isso mesmo. Vejam um trecho: “A grande mídia acusa os independentes de irresponsáveis. OK, vamos lá, vamos fazer como a Veja, assumir o papel de mau gosto: a partir de hoje, só me refiro a José Serra como José Serra, o Escroto”. Ele faz este preâmubulo como justificativa e toca a se referir desse modo a Serra.

Fiz questão de contar: ele escreve isso vinte vezes. A falta de senso fica clara até na justificativa para a grosseria, quando ele alega que “a grande mídia acusa os independentes de irresponsáveis”. A resposta a isso é uma piada involuntária: o articulista passa a agir como um irresponsável.

Podemos pegar incontáveis exemplos desse estranho modo de ver o mundo, uma insensatez que tomou conta da personalidade até de pessoas que antes pareciam relativamente equilibradas.

Já falamos algumas vezes do caso do jornalista Mino Carta. Ele poderia passar para a história como um dos nossos maiores jornalistas, um autor de grandes inovações jornalísticas e criador de revistas importantes com a Veja e a Carta Capital, que foi uma boa publicação até o início do governo Lula. E seu caso é deveras estranho; antes de Lula ganhar a primeira eleição para presidente da República o editor de Carta Capital desancava o petista. Fez até um romance, “O Castelo de Âmbar”, em que Lula é um personagem importante como o nome de “Tosco”. No livro Lula é também o “derrotado vitalício”.

Mas de lá para cá tudo mudou. Depois que Lula finalmente alcançou o poder (que, aliás, ele quer que seja vitalício), Carta deixou o jornalismo de lado e passou a fazer uma revista de propaganda política. Carta Capital adotou uma linha editorial governista e faz ataques à oposição. Vive praticamente de anúncios do governo e de empresas estatais. Duvido que tenha leitura fora do círculo simpatizante petista. Eu fui um leitor assíduo, hoje acompanho apenas por obrigação profissional.

Em seu antigo blog, Mino Carta já justificou esta aderência ao poder que acabou com sua também antiga imagem como a única salvação que viu para resguardar sua Carta Capital do “definitivo, irremediável fracasso". Palavras suas, é claro. Bem, está certo que da vida nada se leva, mas será que não temos que pensar no que deixaremos aqui? O Mino Carta anterior havia construído uma herança mais digna.

Existem muito mais exemplos dessa capacidade que o governo Lula teve de destruir o equilíbrio das pessoas, muitas vezes prejudicando seriamente sua capacidade técnica e afetando a credibilidade, aí sim de forma "irremediável", até em profissões onde o respeito à credibilidade é tudo.

Dilma pode até ganhar esta eleição, mas com a subida ao poder feita dessa forma, manipulando sem escrúpulos a informação até em prejuízo da respeitabilidade pessoal e a qualidade profissional de seus seguidores, não tem como não suspeitar que tentem coisas muito piores do que já vimos nestes oito anos de Lula.
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POR José Pires

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