quarta-feira, 20 de outubro de 2010

O dia em que Chico tentou falar grosso com Drummond

Chico Buarque é militante disciplinado, desde quando apoiava o PCB, o antigo Partidão. Dessa personalidade de militante vem uma história ridícula, outra grosseria sua, desta vez como o falecido poeta Carlos Drummond de Andrade.

Foi contada pelo próprio Drummond, que disse que uma noite, na década de 80, recebeu um telefonema do Chico Buarque. Já era mais de meia-noite. O poeta até fez ironia: “O Chico Buarque me telefonando naquela hora só poderia ser coisa muito importante”.

Ele recebeu o compositor em seu apartamento, que chegou acompanhado de um homem. Era alguém da embaixada da Nicarágua, país que estava então sob governo dos Sandinistas. Os dois vinham falar de uma crônica publicada por Drummond no jornal do Brasil sobre o fechamento do jornal La Prensa pelo governo sandinista. E exigiam que Drummond reconsiderasse as críticas feitas ao regime autoritária que começava a ser instalado na Nicarágua. Drummond conta que botou Chico e o funcionário do governo nicaragüense pra fora de sua casa.

Essa história é só para mostrar que não devemos ter nenhum espanto com isso que o compositor fez anteontem. Pra quem já tentou enquadrar até o Drummond, é fichinha dizer que a oposição “fala fino” com Washington.

Chico não teve o escrúpulo em buscar para seu apoio a Dilma uma referência que pelo menos respeitasse a história pessoal de Serra, que ele, Chico, conhece muito bem. E veio com essa bobagem de “um governo que fala de igual para igual com todos, que não fala fino com Washington, nem fala grosso com a Bolívia e o Paraguai", que tem até um conteúdo machista,. Pra quem tem a fama de compositor com “alma feminina” fica mais feio ainda.

E essa conversa de “falar fino” é um perigo na voz de Chico, um artista que por estes anos todos vem “falando fino” com a ditadura de Fidel Castro em Cuba, sem alterar o tom de voz nem após as exigências recentes dos próprios cubanos por uma abertura na ilha dominada por Castro durane anos e agora repassada a seu irmão, Raul Castro. E aqui não podemos deixar de apontar a semelhança com a fala sobre a herança de poder repassada por Lula, que o compositor vê como uma qualidade da candidatura de Dilma.

Mas falar fino com ditaduras pode? Pois é o que tem feito Lula nestes oito anos de governo, com sua política que amacia a voz até para ditaduras genocidas, como foi com o Sudão. A voz fina pode também ser acompanhada dos olhos nos olhos (terá sido influência do Chico?) com o iraniano Ahmadinejad, um ditador apoiado por uma teocracia que dirige com mão de ferro um país em que se prende, tortura e mata a oposição democrática.

Chico é um artista que cultiva a imagem de homem tímido e educado, mas pelo menos a segunda condição ele estupora toda vez que dá uma entrevista. Ainda bem que ele fala pouco.

O compositor conhece bem José Serra e sabe que sua história pessoal não é de “falar fino” com Washington. Se fosse assim, o candidato tucano não estaria em 1973 no Chile, apoiando o governo de Salvador Allende, quando o general Pinochet deu seu golpe militar sangrento. Serra teve que fugir também daquele país para não ser assassinado.

Nesta época, Chico Buarque se auto-exilou em um país com menos riscos, ou melhor, nenhum risco. Foi para a Itália, mas esta é outra de sua contradições. Não seria mais apropriado que um homem tão engajado fosse fazer suas canções em países onde a atividade política tivesse um poder mais transformador no sentido de sua ideologia ou atitude política?

Vou dar um exemplo. A relação de Chico Buarque com o regime de Fidel Castro é tão intensa que ele se afastou até um artista cubano e antigo parceiro, como o cantor Pablo Milánes, depois que ele passou a fazer críticas ao castrismo e exigir reformas políticas em seu país.

Não sei o que Chico faria se Milánes fosse preso por isso em Cuba, mas é um fato que o compositor da “Carolina” jamais falou algo contra a falta de liberdade naquele país. Até o escritor português Saramago, um stalinista bem mais antigo que Chico, abandonou o apoio incondicional a Fidel Castro depois do fuzilamento praticamente sumário de três pessoas em 2003.

Já o Chico não deu opinião alguma sobre os fuzilamentos em 2003, nem sobre qualquer outra medida autoritária de Fdel castro e suas consequências, como as dezenas de prisões com torturas e maus-tratos e também a morte recente de um dissidente em greve de fome.

Nem vamos exigir que Chico Buarque passe longas temporadas no Paraguai ou na Bolívia, países citados por ele para vir com esta grosseria de que a oposição “fala fino” com Washington. O compositor tem um apartamento em Paris, onde vive pelo menos seis meses do ano, e aí está uma outra de suas incoerências. Para ser coerente, ele deveria ficar em Cuba, até mesmo em solidariedade ao socialismo cubano, em vez de aproveitar as delícias de um país capitalista, que aliás hoje tem um governo bastante conservador.

São as incoerências de Chico Buarque, que surgem das facilidades que ele tem na vida. Depois do apoio a Dilma ele pode partir para Paris, bem distante das milícias, dos grupos paramilitares que já dominam grandes parcelas inclusive do seu Rio de Janeiro. E mesmo lá no Rio ele deve ter uma casa bem guardada.

Chico pode também ficar longe das grosserias que somos obrigados a viver aqui no Brasil, pois seus companheiros petistas são mesmo de “falar grosso” e não é com Wahshington, não. Vivenciamos isso de perto, recebendo insultos como os que foram ditos por vários dos apoiadores de Dilma no evento de apoio a Dilma, da mesma forma que fez o Chico.

Temos agüentado no cotidiano essas grosserias. Tem coisa mais absurda que ter vivido de forma honesta toda a vida, atuando com seriedade desde os tempos da luta pela democratização do país até agora, para depois de velho ser classificado como "aliado da direita" e que "fala fino" com Washington por gente como o Chico Buarque, que tem a seu lado tipos como o Delúbio Soares, o deputado cassado José Dirceu e a ex-ministra e amiga de Dilma, Erenice Guerra?

Até aqui no blog essa turma aparece, com comentários tentando desqualificar e demonizar quem analisa o país com olhos críticos e sem compadrismos de grupo ou subserviência partidária.

Se não se fizer de songamonga como sempre, Chico deve ter ouvido tudo muito bem no evento de apoio a Dilma. E a tendência é que essas grosserias continuem e talvez até aumentem depois da eleição, independente de quem seja eleito. Mas é provável que aí esse país dividido não chegue aos ouvidos do Chico Buarque lá em Paris.
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POR José Pires

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