sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Engolindo o próprio veneno

Mas acaba sendo interessante ver gente que sempre foi da linha de frente do politicamente correto sendo vítima de suas própria ferramentas, digamos assim, conceituais. O escritor português José Saramago é um dos que sempre municiaram bastante o politicamente correto.

Saramago sempre teve na ponta da língua algo para fortalecer esse tipo de discurso, mesmo que para isso tivesse que discorrer sobre fatos completamente fora de seu âmbito político e pessoal. O politicamente correto é assim. Um acontecimento, digamos, na Tailândia, exige de pronto uma opinião sua. E ele dá, claro. Se tiver também um manifesto, nota de repúdio, ou qualquer dessas manifestações fáceis de acatar, logo o politicamente correto assina embaixo, mesmo que seja sobre algo ocorrido nos confins do Afeganistão.

No caso de Saramago, aliás, a coisa é bem interessante, pois revela o politicamente correto como um eficiente escudo até para históricos stalinistas. Em política Saramago é bem lerdo. Largou Fidel Castro apenas em 2003, no episódio do fuzilamento praticamente sumário de três opositores que haviam seqüestrado um barco para fugir de Cuba. Mas no pensamento políticamente correto ele logo embarcou, como uma balsa para fugir da fama de stalinista.

Mas vamos aos problemas que agora Saramago sofre com o politicamente correto. Ele está enfrentando protestos nos Estados Unidos contra sua obra Ensaio Sobre a Cegueira, adaptada recentemente para o cinema. Os protestos contra o filme são liderados pela Federação Nacional dos Cegos, que pretende se manifestar diante dos cinemas, em 21 estados norte-americanos. E não me perguntem se os associados da tal federação viram o filme, pois não seria politicamente correto.

Saramago evidentemente está se saindo bem. Para quem passou mais de quatro décadas defendendo Fidel Castro do imperialismo, sob o fogo da Casa Branca, da CIA, do FBI e até da turma do Kruschev, encarar uma associação de cegos é fichinha.

Ele já disse que o livro, publicado em 1995, na verdade, trata da cegueira sim, mas é da cegueira da razão. Já o presidente da federação que é contrária à obra diz que o filme "retrata os cegos como monstros”.

E Saramago cria frases ótimas para encaixar no debate. Ele é bom nisso. É capaz de construir belas orações até para qualificar o MST, por exemplo, mesmo sem ter informações substanciais sobre o movimento político. Mas vamos ao protesto dos cegos. "A estupidez não discrimina os cegos dos que enxergam", ele disse sobre o episódio.

Mas temos aí uma situação interessante. É o ridículo do politicamente correto elevado a sua máxima potência. E bem que os politicamente corretos merecem. Tanto fizeram que temos aí uma Federação de Cegos querendo decidir o que as pessoas podem ver ou não.
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POR José Pires

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