quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A História como piada

Os dois exemplos de baixaria, o do Rio e de São Paulo, são sintomas de uma crise nacional muito bem revelada nessas eleições municipais. Em sua cidade os problemas do município foram discutidos de forma objetiva? Se foi assim, sorte sua e de seus concidadãos, mas não saia dizendo isso por aí, pois na maioria das cidades brasileiras vão te chamar de mentiroso.

Vejamos o caso de Paes e Marta. O candidato do Rio é sabidamente um emergente da política e que pode ser definido como um trânsfuga da política, pois sai deste para aquele partido sem importar-se nem um pouco se ambos são adversários históricos. No plano nacional, de Paes também sabíamos apenas sobre sua participação na CPI dos Correios e sua aversão ao presidente Lula. Sem a projeção que os tucanos lhe deram, o deputado seria mais um do chamado “baixo clero” da política. Mas mesmo o papel combativo que ele teve na CPI foi jogado fora com uma carta de pedido de perdão.

Caso perca a eleição no Rio é pouco provável que Paes consiga chamar a atenção de modo sério em suas futuras atividades. Aí sim se encaixará no baixo clero da política, historicamente ao lado de um Severino e outros da mesma laia. Paes nunca foi grande porcaria, mas isso não diminue a gravidade política do que anda fazendo. O candidato foi até recentemente líder de um dos partidos brasileiros mais importantes, o PSDB, o que é um demonstrativo da seriedade com que os nossos grandes partidos constroem suas hieraquias..

Já Marta Suplicy é liderança histórica do PT, de cuja importância não é preciso falar. É o partido do poder federal e sobre o qual durante muitos anos a população depositou a esperança no surgimento de um modo de fazer política, senão competente, mas ao menos ético. E o PT decepcionou nas duas frentes. Deformar o passado para se amoldar às conveniências da luta pelo poder começou com Lula, mas uma boa olhada nessas eleições municipais em todo o país mostra que essa característica é acatada pelos petistas como um princípio estatutário.

Os ataques de Marta à Kassab aparentemente não deram certo. Tudo indica que ela perde esta eleição. Ou, se não perder, queimou a substância essencial da construção de sua personalidade pública e até pessoal: a da tolerância e respeito pelas diferenças.

Mas como os partidos políticos têm como responsabilidade básica a construção de normas sociais e até políticas, é sempre bom perguntar também pelo que não deu certo. Táticas eleitorais podem dar bons ou maus resultados para a sociedade. Quem se responsabiliza pelos maus? E se os ataques dessem certo e a população não votasse em Kassab porque ele não é casado e não tem filhos? O que sairia disso?

A homofobia certamente seria fortalecida e isso não é pouco, afinal pessoas são agredidas e até mortas por isso. Mas além disso, teríamos uma substancial fortalecimento do pensamento conservador, uma tarefa exatamente contrária ao que é esperado não só de Marta Suplicy como também de seu partido. Vindo do PT isso é mais uma grande traição, mas com sentido pior em São Paulo, cujo eleitorado sempre se preveniu quanto a isso em relação à Paulo Maluf. E vieram os petistas pelas costas. Tem aquele frase marxista da "história se repetindo como farsa". Pois o PT fez dela piada.

Kassab pode vencer, Gabeira também pode ser prefeito do Rio. É isso que espero, até para derrotar este tipo de atitude nefasta em política. Mas que ninguém pense que a vitória sobre este modo agressivo e desonesto de fazer política esteja embutida na derrota dos dois sacripantas, o do PMDB e a do PT.

Uma visão abrangente sobre estas eleições municipais mostra que o que aconteceu em São Paulo e no Rio infelizmente é a norma geral. E aqui a história também se inverte. E ainda parece piada, mas teremos que fazer como Marta Suplicy e seu partido, e alterar o sentido histórico de nossas lutas: agora teremos que agir para estabelecer a exceção.
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POR José Pires

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