sexta-feira, 19 de junho de 2009

Um bom editorial do Estadão

O jornal O Estado de S. Paulo tem uma história interessante na parte de seus editoriais. Sempre foram muito bem escritos e de grande qualidade política. Quando o Brasil estava sob ditadura militar sua página de editoriais era um desafogo até para a esquerda, servindo também como referência política, uma fonte confiável sobre as disputas políticas internas do regime. Fiquem calmos os patrulheiros vermelhos, não estou dizendo que era o único desafogo ou que a esquerda mantinha-se no papel de observadora, esperando os editoriais do Estadão. Nada disso. Havia a imprensa alternativa, bem mais combativa que o jornal dos Mesquitas. Eu estava lá nas redações desses jornais. E havia muita gente de esquerda, junto com os liberais que davam essa força de conteúdo ao Estadão.

Não percam também a referência de contexto. Isso é sempre importante. Naquela época, quem fosse fazer arruaça na frente de qualquer jornal, como nessas manipulativas manifestações contra o termo "ditabranda", poderia acabar preso ou algo bem pior que isso.

A Folha de S. Paulo não servia pra nada antes de 1975, quando Cláudio Abramo fez dela um jornal de fato. Ninguém se interessava então pela Folha. Não sei os peixeiros, não há dados históricos sobre isso. Mas a verdade é que até para este papel o Estadão, bem mais massudo que a fininha Folha, era bem melhor. Antes de Abramo o jornal nem percebia a importância da parte editorial, a opinião da casa e de seus colunistas sobre os acontecimentos políticos. O Estadão, ao contrário, já compreendia isso muito bem. Isto é histórico naquele jornal, mas quanto à qualidade havia também um pouco da mão talentosa de Abramo, que antes de reformar a Folha foi editor do Estadão.

Mas vamos logo ao que interessa. Até hoje os editoriais do Estadão são muito bem escritos, dando forma ao que se passa na política brasileira. Alguns são muito especiais, pelo fato de sintetizarem um conjunto de problemas em um texto claro e cheio de conteúdo.

É o caso do editorial de hoje, onde o jornal trata da relação viciosa entre o presidente Lula e o presidente do Senado, José Sarney, e do discurso oportunista de ambos sobre a ética, algo que Lula acabou consagrando como um método de governo.

Vejam o primeiro parágrafo. Gosto da síntese da primeira frase. Já resolvem o lead com uma frase só:

"O presidente Lula é um político que não tem princípios. Tem fins. Dele só se poderia esperar, portanto, que saísse em defesa do presidente do Senado, José Sarney, engolfado pela onda de escândalos na instituição que comanda pela terceira vez. É notório que Lula deve a alma, como se diz, a Sarney, seu aliado firme desde a campanha de 2002, e conta com ele e a sua patota para adquirir em 2010 a adesão do PMDB à candidatura da ministra Dilma Rousseff - a "sacerdotisa do serviço público", como o senador a endeusou em um comício. Além disso, desde que alcançou o Planalto, Lula tem demonstrado uma coerência impecável: sempre que se viu obrigado a escolher entre a ética e a conveniência, jamais desapontou os que apostavam que ficaria com esta em detrimento daquela. Ainda há pouco, quando rebentou na Câmara a história da farra das passagens aéreas, Lula deu de ombros. "Sempre foi assim", desdenhou, como que repetindo o comentário, no auge da crise do mensalão, em 2005, de que o caixa 2 é "usado sistematicamente" por todos os partidos."

Bom, não? E vejam neste outro trecho mais uma síntese muito bem feita, esta sobre a carreira política de Lula:

"Na política, ele não perde para ninguém em matéria de capacidade adaptativa. Vinte anos atrás, quando fazia questão de se exibir como o demolidor de 'tudo isso que está aí', dizia que Sarney era 'grileiro' e 'grande ladrão'. Hoje, quando inebriado pelas delícias do poder só pensa em desfrutá-las pelo maior tempo possível, ensina que 'Sarney tem história suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum'".

O texto do Estadão é tão interessante que o publico na íntegra no arquivo do blog. Clique aqui para ler.
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POR José Pires

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