Ontem em Gramado foi exibido o documentário Corumbiara, de Vincent Carelli. É um longa-metragem sobre o massacre de índios da Gleba de Corumbiara, acontecido há duas décadas no sul de Rondônia. O descaso das autoridades e por extensão, digo eu, de todos os brasileiros, com o massacre deve ser um dos focos do filme.
E os massacres ainda continuam hoje, diz o diretor. É coisa que vemos no cotidiano. Segundo Vincent Carelli, “fazendeiros os matam por envenenamento, contratam pistoleiros e nada é feito. Ninguém é preso ou denunciado”.
Noutro documentário, mais antigo, de 2007, feito por Washington Novaes também aparece esta destruição, neste caso como uma ameaça sobre uma reserva que já foi um exemplo de preservação da cultura indígena. A do Xingu, no sul da Amazônia. Ele já havia feito um famoso documentário para a antiga TV Manchete sobre a maravilha que era aquela reserva. Chamava-se "Xingú, A Terra Mágica". Este documentário mais recente tem o nome de "Xingu, A Terra Ameaçada".
Novaes conta que hoje na região, de preservado sobrou apenas o parque do Xingu, como se fosse uma ilha cercada pelo desmatamento, a soja, os bois, as hidrelétricas. O dinheiro entrou nas aldeias e com ele a desigualdade.
Os jovens já não querem ser pajés. O encanto agora é pelos DVDs, câmeras, a antena parabólica. A cultura tradicional já está ameaçada.
Os assassinatos narrados por Vincent Carelli se ligam à morte da tradição denunciada por Washington Novaes. Tudo indica que os nossos índios não devem durar muito. Com eles se vai uma imensa cultura.
Eles já sofrem as consequências até dos desatinos dos brancos. Em um texto publicado na semana passada no Estadão, Novaes conta que o jornal The New York Times publicou que os índios camaiurás, do Xingu, estão sofrendo com as mudanças climáticas, que tornam escassa sua alimentação.
Os índios do Xingu ainda são os menos sofridos. Eles tem sua reserva, mesmo que já estejam cercados pela ameaça. Outros sofrem muito mais. No Mato Grosso, a vida miserável só termina quando os pobres se matam. Sem suas terras e sua cultura, o índio perde a identidade e se suicida.
Essas mortes de vez em quando aparecem nas notícias. Ninguém faz nada, como diz Carelli. E tem também os índios que morrem silenciosamente nas ruas. No Paraná pedem esmolas nas ruas. E é impressionante como são invisíveis. Ninguém os vê.
Passam mulheres com crianças, homens vendendo orquídeas rústicas — as últimas, imagino —, que colhem nas matas que sobraram perto de sua aldeia. Passam famílias inteiras vendendo palmito ou balaios sem graça. São kaigangs e produzem um artesanato bem pobre. Passam e ninguém os vê.
Eu até os vejo, mas confesso que tenho um medo que acredito que é o mesmo dos meus semelhantes. O de que eles me peçam socorro. Essa é a única consciência coletiva que nos sobrou: de que vivemos em um país no qual não podemos nada, nem sequer ajudar um índio miserável.
As pessoas não os enxergam. Deve ser por isso também. É até engraçado: eles estavam aqui antes do primeiro branco chegar e hoje ninguém os vê. Talvez seja também o medo de se olhar em um espelho. Esses índios jogados na miséria são bem um espelho da nossa civilização. Da nossa brutalidade, da vergonha, da impotência. Como é que não vemos isso?
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Por José Pires
E os massacres ainda continuam hoje, diz o diretor. É coisa que vemos no cotidiano. Segundo Vincent Carelli, “fazendeiros os matam por envenenamento, contratam pistoleiros e nada é feito. Ninguém é preso ou denunciado”.
Noutro documentário, mais antigo, de 2007, feito por Washington Novaes também aparece esta destruição, neste caso como uma ameaça sobre uma reserva que já foi um exemplo de preservação da cultura indígena. A do Xingu, no sul da Amazônia. Ele já havia feito um famoso documentário para a antiga TV Manchete sobre a maravilha que era aquela reserva. Chamava-se "Xingú, A Terra Mágica". Este documentário mais recente tem o nome de "Xingu, A Terra Ameaçada".
Novaes conta que hoje na região, de preservado sobrou apenas o parque do Xingu, como se fosse uma ilha cercada pelo desmatamento, a soja, os bois, as hidrelétricas. O dinheiro entrou nas aldeias e com ele a desigualdade.
Os jovens já não querem ser pajés. O encanto agora é pelos DVDs, câmeras, a antena parabólica. A cultura tradicional já está ameaçada.
Os assassinatos narrados por Vincent Carelli se ligam à morte da tradição denunciada por Washington Novaes. Tudo indica que os nossos índios não devem durar muito. Com eles se vai uma imensa cultura.
Eles já sofrem as consequências até dos desatinos dos brancos. Em um texto publicado na semana passada no Estadão, Novaes conta que o jornal The New York Times publicou que os índios camaiurás, do Xingu, estão sofrendo com as mudanças climáticas, que tornam escassa sua alimentação.
Os índios do Xingu ainda são os menos sofridos. Eles tem sua reserva, mesmo que já estejam cercados pela ameaça. Outros sofrem muito mais. No Mato Grosso, a vida miserável só termina quando os pobres se matam. Sem suas terras e sua cultura, o índio perde a identidade e se suicida.
Essas mortes de vez em quando aparecem nas notícias. Ninguém faz nada, como diz Carelli. E tem também os índios que morrem silenciosamente nas ruas. No Paraná pedem esmolas nas ruas. E é impressionante como são invisíveis. Ninguém os vê.
Passam mulheres com crianças, homens vendendo orquídeas rústicas — as últimas, imagino —, que colhem nas matas que sobraram perto de sua aldeia. Passam famílias inteiras vendendo palmito ou balaios sem graça. São kaigangs e produzem um artesanato bem pobre. Passam e ninguém os vê.
Eu até os vejo, mas confesso que tenho um medo que acredito que é o mesmo dos meus semelhantes. O de que eles me peçam socorro. Essa é a única consciência coletiva que nos sobrou: de que vivemos em um país no qual não podemos nada, nem sequer ajudar um índio miserável.
As pessoas não os enxergam. Deve ser por isso também. É até engraçado: eles estavam aqui antes do primeiro branco chegar e hoje ninguém os vê. Talvez seja também o medo de se olhar em um espelho. Esses índios jogados na miséria são bem um espelho da nossa civilização. Da nossa brutalidade, da vergonha, da impotência. Como é que não vemos isso?
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Por José Pires
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