quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Mistura de espantos

Mas de qualquer forma o vídeo criado por esta igreja permite perceber o nível de discussão que esses pastores querem imprimir no âmbito da sociedade para a discussão sobre o aborto ou de qualquer assunto que não contemple suas concepções políticas ou de comportamento. O vídeo disponível no Youtube serve também para ver como o assunto está sendo colocado internamente nessas igrejas.

A mistura alarmista é feita mesmo para assustar, mas o foco central é evidentemente o combate à legalização do aborto e a formação de uma bancada de deputados e até senadores para lutar contra isso. Bem, também é evidente que uma bancada política criada dessa forma não deve se dedicar somente a este tema.

Como o pastor prega um voto contrário ao PT e à Dilma, muita gente se calou e outros até aplaudiram, já que viram nisso a possibilidade de um favorecimento eleitoral.

Mais recentemente outro pastor também se manifestou contrário ao voto no PT. Foi o pastor Silas Malafaia, da Igreja Assembléia de Deus, a mesma da candidata Marina Silva. No caso, Malafaia transferiu para Serra o apoio que dava a Marina. Ele acha o tucano mais firme do que Marina como cristão, o que é uma novidade até para quem acompanha sua carreira política. E também não penso que este seja um valor para medir a capacidade de alguém para ser candidato a qualquer cargo público.

Entretanto, Marina já está correndo para não perder este tipo de eleitor. Para isso ela vem até acusando Dilma de mudar seu discurso sobre a legalização do aborto para ganhar votos. É bem estranho esse negócio: a candidata do Partido Verde vê menos problema no mensalão do PT do que na legalização do aborto.

Mas o o pastor passou a apoiar Serra. Os tucanos gostaram demais, é claro, pois na situação difícil em que se meteram, quando qualquer apoio parece válido, alguém como Malafaia pode trazer muitos votos. Ele é um desses pastores muito populares que têm até programas de televisão.

Porém, ainda que dê para entender o desespero tucano para alcançar o segundo turno, não é possível compreender onde eles querem chegar no aspecto político. Com os votos de Malafaia, Piragine Jr., ou qualquer outro desses pastores que querem influir no comportamento político da sociedade civil, pode vir também um direcionamento na inserção de seu partido entre a população. E dos tucanos sempre foi esperado um papel diferente, bem mais moderno que o de políticos que usam como convencimento mais a Bíblia do a Constituição.

E sabemos muito bem que essas cruzadas em torno de um tema, como ocorre com a campanha desses religiosos contra o aborto, acabam sempre avançando sobre outros objetivos muito além do alvo preferencial. O Brasil precisa de muitas mudanças, mas se tem algo que não vai ajudar nesta busca de uma melhor qualidade de vida é a visão conservadora e muitas vezes até fanática de certos setores em relação ao comportamento humano.

Não acho incorreto não votar no PT, muito pelo contrário. Mas é evidente que com apoios como esses, que misturam de forma nada ética religião com política, a oposição prestigia grupos que historicamente nunca foram afinados com a tolerância e o respeito aos hábitos alheios. Muitas dessas pessoas também não aceitam o secularismo, advindo daí, por sinal, sua extrema agressividade e o pouco apreço pela democracia.

Mas é nisso que dá o serviço malfeito dos tucanos neste eleição. Como não foi construída uma candidatura estruturada em sólidas propostas de transformação do país, aposta-se tudo na demolição da candidata governista. A derrota do lulo-petismo continua sendo algo importante para o país, mas nem por isso podemos aceitar de um modo acrítico toda forma de ataque eleitoral, como está acontecendo na questão do aborto.

Agora esses pastores se concentram no aborto e estão fazendo isso de um jeito muito esperto, juntando-se inclusive às críticas dos setores democráticos ao Plano Nacional de Direitos Humanos do PT e posicionando-se de forma contrária aos ataques dos petistas e do governo à imprensa. Mas é evidente que o aborto seria apenas um elemento das mudanças que eles devem tentar barrar caso conquistem influência no Congresso Nacional.

As bancadas religiosas já tiveram tempo suficiente para mostrar a qualidade da sua atuação na política e o resultado não é nada bom, inclusive no aspecto da corrupção. Além do mais, o grande problema da associação da política com a religião é que quem faz isso costuma acender fogueiras que depois são difíceis de serem apagadas.
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POR José Pires

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