quinta-feira, 9 de setembro de 2010

No final, Fidel Castro dá razão aos críticos e demole os bajuladores

O livro de Candido é de 1995. Três anos depois a mesma editora brasileira publicou o livro Mea Cuba, do escritor cubano Guilllermo Cabrera Infante, de quase quinhentas páginas. Cabrera Infante foi um dos revolucionários cubanos que cedo percebeu o que era o Castrismo e rompeu com o regime indo para o exílio.

Em Mea Cuba ele relata de forma muito clara o processo de destruição da vida política e cultural cubana. O ótimo trocadilho com o nome da ilha e a confissão de culpa acabou se encaixando de ua forma impressionante nas atuais "meas culpas" de Fidel Castro.

Cabrera Infante pegou o começo da coisa, até ter que ir embora em 1965, mas manteve a atenção voltada a sua amada terra, sempre pronto pra voltar com a queda de Castro. Mas morreu antes, em 2005, o que é lamentável não só pelo que teria produzido nestes anos todos, mas pelo que poderia dizer sobre que está acontecendo agora na ilha. Fidel Castro deve ter soltado fogos no dia da morte do escritor. Cabrera Infante dava um trabalho danado ao regime cubano com seus escritos.

Mea Cuba não é leitura pesada. Nada de rancor amargurado. O escritor dá suas pauladas, pois é díficil não se indignar depois de ter toda perspectiva de vida destruída e sofrer o exílio. Mas Cabrera Infante cobra suas dívidas com Castro por meio de uma escrita muito bem elaborada, com um humor ácido que poucos escritores têm. Nâo é um panfleto. A condenação é uma obra de arte.

Muitas histórias ele viveu de perto, algumas delas são até trágicas como só pode acontecer em um regime autoritário, os relatos vão e vem, se entrelaçando em enredos com muita informação. Ele escreve bem pra danar. Dá o tom de quem viveu de perto a coisa, sem perder a qualidade literária do texto. Nâo cai no ramerrão mal escrito que é bem comum em relatos pessoais sobre acontecimentos políticos.

E é claro que não é um livro sobre o regime de Castro. É sobre algo maior, Cuba, que de certa forma o castrismo apequenou, mas que é de uma substância tal que assim que o regime falir de vez é provável que naquela ilha rebrote muito do que foi podado.

Cabrera Infante é um um desterrado,foi forçado ao exílio, mas não cultiva isso como uma tragédia. Do desastre político em seu país ele extrai humor, explorando com uma imaginação bastante expressiva as quedas que presenciou. Ele foi um dos revolucionários que derrubaram o ditador Batista, até ele próprio sair corrido por Castro de Cuba em 1965. Sempre que passo os olhos neste belo livro, fico pensando como ele iria gostar do que começa a acontecer na ilha — a sua Mea Cuba —, até porque previu boa parte disso.

Em Mea Cuba ele dá a medida do que foi a destruição política e cultural feita pelo regime comunista em Cuba. Expõe também a homofobia do regime de Castro, um comunismo receoso de tudo, até de gays, e mostra em histórias até engraçadas a relação de ódio do regime com artistas, jornalistas e intelectuais. Ele conta até uma história escabrosa, com Che Guevara expondo de forma agressiva sua homofobia.

A questão básica é a da liberdade criativa e de construção da realidade política da ilha, que gente como ele pensava que iria melhorar com a queda da ditadura de Batista, mas que piorou com a ditadura de Castro.

Os barbudos eram zdahnovistas. Para eles, cultura era para ser usada como instrumento do Estado e nada mais. Gradativamente, o governo foi fechando o cerco sobre a cultura cubana, impondo normas cada vez mais rígidas na edição de revistas e livros, dos jornais e na concepção de filmes, até sufocar uma exuberante cultura.

Cabrera Infante mostra que a cultura cubana já era de extrema qualidade antes da revolução e nisso está um ponto essencial da sua discordância com a esquerda latinoamericana. Gente como Antonio Candido busca sempre situar a revolução como um salto de qualidade em Cuba também neste setor. Cabrera Infante afirma que ocorreu o contrário, o que, a bem da verdade, é comprovado pela realidade atual de Cuba.

Com a diferença de três anos entre um livro e o outro, o livro de Candido traz uma visão toda positiva da ilha. Um dos textos sobre Cuba é um discurso no Prêmio Casa de las Américas, um evento anual usado durante muitos anos como suporte de propaganda política, com a presença de artistas e intelectuais de várias partes do mundo, que acabavam depois repassando em seus países impressões favoráveis ao regime cubano. Nós vimos isso aqui no Brasil. É aquela história que lemos tantas vezes aqui, de um país com alto nível de saúde e educação e blá blá e blá, sem tocar na questão essencial da liberdade.

As impressões de Candido vieram de uma dessas viagens. Para ele, ao contrário do que contou Cabrera Infante, em 1995 Cuba ainda era um centro cultural de altíssimo nível, de “uma fraternidade militante que vivifica as melhores tendências espirituais da nossa América”.

São muitas divergências entre Cabrera Infante e Candido. O escritor cubano via Fidel Castro como um homem intrigante e invejoso da capacidade alheia, além de ser juiz/promotor/júri na ilha que tomou pra si. Já Candido pensa bem diferente. Para ele “Fidel Castro é um líder extremamente humano”. É isso mesmo que ele escreve, não é piada minha.

O problema é que a História vem dando razão a Cabrera Infante a não a Candido. E isso vem até pela própria voz de Fidel Castro. Isso nem era necessário, é claro. E até nem era esperado. Mas acabou fortalecendo o que muitos críticos, como Cabrera Infante, vinham dizendo há muito tempo e que agora começa a ficar mais fácil de entender. E é claro que isso destrói a credibilidade de quem vem botando fé no modelo que o próprio Fidel Castro diz que já era.
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POR José Pires

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