terça-feira, 20 de maio de 2008

A vida como ficção

Luiz Fernando Emediato era pra ser um famoso contista brasileiro. Era isso que ele era, quando o quente no Brasil era escrever contos. Ali por 1970 isso era uma epidemia, quase como a dengue hoje. Todo mundo era contista, até o Chico Buarque. Contista parecia então uma profissão que dava futuro. Mas hoje a gente lembra apenas do João Antonio e do... como é mesmo o nome daquele? Ah, sim o Emediato. Onde anda ele?

Em São Paulo era assim: no bar Redondo, na esquina da avenida Paulista, pois ainda não existia bar da moda na Vila Madalena, nove entre dez contas dependuradas eram assinadas por contistas. Este outro era um jornalista que só escrevia em jornais. Havia poucos romancistas, quase nenhum, mas todo escritor escrevia contos, o que dava certeza de livro na praça, em obra única ou coletiva.

Obra coletiva tinha uma vantagem. Era só juntar uma meia dúzia de contistas para ter um livro inteiro. Um romance pode levar décadas, um conto pode ser escrito numa tarde em Ubatuba. E então era uma brochura a mais na estante, o que dava um status danado. Valia até entrevista em cadernos culturais, suplementos que naquela época cuidavam menos de baladas, desfile de moda, cantor porcaria e programas de TV. Parece coisa antiga, mas os cadernos culturais se dedicavam à cultura.

Um dos problemas da obra coletiva era que os contos obviamente se misturavam, o joio com o trigo, mais joio do que trigo, o que dava em livro ruim. Imaginem então a situação do Emediato, que, concedo, até escrevia bem. Ficava chato a mistura.

Falando nisso, e o Emediato, aonde anda? Continua se dedicando à ficção, agora em área mais lucrativa. Eis que o ex-contista volta às páginas dos jornais, não de cadernos culturais, coisa que, aliás, nem existe mais. Volta nas páginas políticas e tem que agradecer aos céus que seja assim, pois se não fosse a característica amena e até leniente da nossa Justiça, sua aparição bem que podia ser nas páginas policiais.

Emediato também está encrencado na Operação Santa Teresa, da Polícia Federal, que detectou sujeira nos negócios da Força Sindical. As denúncias envolvem também seu presidente, o deputado Paulinho Pereira da Silva. O enrosco do ex-escritor de contos com a Força Sindical é antigo. Depois de abandonar a literatura, Emediato virou assessor e mentor intelectual da central sindical, primeiro com seu criador, o ex-deputado Luiz Antonio de Medeiros, depois com Paulinho Pereira da Silva. Representando a central sindical, Emediato é o atual presidente do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), cargo bom, com verbas e influência.

Agora foi descoberto que um repasse de R$ 1,32 milhão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a ONG Centro de Atendimento Biopsicossocial Meu Guri, presidida pela mulher do deputado Paulinho Pereira da Silva, Elza Pereira, tem a assinatura de Emediato como testemunha. Acontece que o repasse está entre as denúncias da PF de desvio de verbas do NDES.

Emediato quer saltar logo fora dessa frigideira e evidentemente não para o fogo. E arranjou uma desculpa prosaica para ter assinado como testemunha da, digamos assim, alocação de verba do BNDES pelos sindicalistas. “Porque pediram e eu estava por perto. Testemunha é isso”, explicou ao ser questionado sobre por que assinou como testemunha.

Que coisa, a história se repete. É do mesmo jeito que saiam os livros de contos na década de 70. Alguém fazia um e você, estando por perto, entrava também. Então, pimba: lá estava seu conto no meio de um monte de porcarias que, juntas, elevavam uma brochura à categoria de livro de contos. É coisa do acaso, como ser testemunha em um repasse de mais de um milhão de reais que depois acaba como caso de polícia.

Emediato até pode se safar dessa. E aposto que se safa, no Brasil é assim. Mas tudo é muito parecido com aquela época quando ele colocava sua assinatura em livros de contos quase sem pensar, imagino, porque alguém pediu e ele estava por perto. Emediato já devia ter aprendido essa, tem que ter mais cuidado com o que assina: o livro ruim fica para trás, mas a fama fica.
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POR José Pires

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