A Folha de S. Paulo publicou em sua edição de domingo uma reportagem sobre a Camorra, a máfia italiana denunciada pelo escritor Roberto Saviano em um livro de bastante sucesso lançado em 2006. O tema tem muito a ver com o Brasil. É uma entrevista com o escritor italiano, jurado de morte pela máfia napolitana. A reportagem foi transcrita do jornal espanhol El País daquele modo que a Folha sempre faz. Faltou contextualizar certos fatos e nomes, relacionar o assunto um pouco mais com o que estamos vivendo, mas vale a publicação mesmo com tais desacertos.
É que não estamos falando de outro mundo. O jovem Saviano vive sob a ameaça de morte da Camorra porque escreveu um livro que chamou a atenção do mundo para seus crimes.
A Camorra domina a região de Nápoles e se entranhou na vida italiana de forma horizontal, sem alarde, impondo o assistencialismo onde falta o Estado e dominando a comunidade com o terror. A receita é bem conhecida nossa. O que os nossos políticos fazem se não isso? E se algum otimista vier dizer que pelo menos não temos o terror, bem, vou convidá-lo a prestar a atenção ao que acontece no interior do Brasil. Ou que ele dê um passeio pela favela da Rocinha.
Na Itália, Saviano chamou a atenção ao problema da Camorra, antes tida como um mal menor, bem abaixo em periculosidade que organizações criminosas italianas mais afamadas, como a Cosa Nostra sicialiana ou a Ndrangheta calabresa.
O Sistema - Gomorra, o livro de Saviano, vendeu mais de 2 milhões de exemplares na Itália desde que foi lançado em 2006. Transformado em filme, venceu o Grande Prêmio do Festival de Cannes no ano passado. No livro, também já publicado no Brasil, Saviano mostrou o real poder da Camorra. Segundo o chefe dos carabinieri de Nápoles, general Gaetano Maruccia, a organização, conhecida internamente como "O Sistema", é formada hoje por pelos menos 80 clãs, mais de 3.000 filiados armados e uma extensa rede de colaboradores.
O que ocorre na Itália é bastante próximo do que ocorre por aqui, no Brasil. A diferença é que estamos em estágio inicial. Mas com um Estado fraco e corrompido como o que temos, a coisa tende a crescer. Ainda mais porque a globalização vale também para o crime. Nada impede que organizações estrangeiras como a Camorra exportem para cá sua experiência. E isso já está acontecendo, de certo modo, em São Paulo, com a ação das máfias orientais sobre as comunidades de imigrantes coreanos.
Apenas a situação vivida por Saviano ainda não é regra por aqui. Nossas pequenas máfias ainda não avançaram contra jornalistas e escritores obrigando-os a viver sob a proteção do Estado. E ainda bem. Já pensaram no ministério da Justiça de Tarso Genro e Lula protegendo alguém da ação de assassinos determinados como os da Camorra? Bem, o pobre não duraria uma semana aqui.
Tarso Genro andou falando mal da Justiça italiana para defender um criminoso condenado por lá, o italiano Cesare Battisti. O trabalho da justiça italiana contra o crime desmente o ministro da Justiça de Lula.
A pressão do crime organizado sobre a liberdade de expressão, inclusive com a morte de quem revela suas atividades podres, é internacional. Na mesma Nápoles de Saviano, a jornalista Rosaria Capacchione, autora também de um livro sobre a Camorra, também vive sob escolta. A Rússia de Vladmir Putin é eficientíssima para apagar as vozes denunciantes. Mata na hora. Vários jornalistas foram assassinados por lá. Mas naquele país não podemos deixar de lembrar a herança stalinista, que vive até hoje em um Estado em conluio com o crime.
O Alvo - Mais próximo de nós, no México, o crime também ameaça bastante jornalistas e escritores. Escritores como o turco Orhan Pamuk foram obrigados a deixar seus países. Na América do Sul, o escritor Gabriel García Márquez também sofreu sérias ameaças na Colômbia.
A liberdade de expressão é também é alvo de grupos políticos fundamentalistas muçulmanos e pelas teocracia que eles colocam no poder. Salman Rushdie é o exemplo mais forte. Diferente do Ocidente, nestes países é o próprio Estado que persegue, encarcera e até assassina as vozes discordantes.
Em um determinado momento, Saviano fala sobre um encontro com Salman Rushdie, cuja morte foi decretada pelo falecido aiatolá Khomeini, figura central do governo iraniano e o iniciador da atual onda fundamentalista.
Pode-se dizer que foi o próprio Estado iraniano que decretou o assassinato do escritor. Logo mais o presidente Lula receberá o racista Ahmadinejad, presidente do Irã. Será que vai perguntar como estão os projetos para matar Rushdie?
Roberto Saviano vive sob proteção do estado italiano desde outubro de 2006, quando o ministro do Interior, Giuliano Amato, decidiu que ele deveria viver escoltado. Até o momento a Justiça italiana garantiu sua vida. Já pensaram se ele dependesse do ministério de Tarso Genro, que criticou a Justiça italiana. Bem, não adianta mandar certas pessoas dobrar a língua.
Em Campanha - A Itália já vive há algum tempo em estado de guerra contra o crime organizado. E aqui? Bem, quando deveriam estar desarticulando e prendendo as milícias que começam a surgir em várias cidades brasileiras e que já dominam amplos setores de algumas, como o Rio de Janeiro, nossas autoridades, incluindo o ministro da Justiça, estão articulando suas candidaturas para 2010. E enquanto isso o crime vai se fortalecendo.
O texto de Miguel Mora sobre Saviano é excelente. Ele entremeia a entrevista com uma narrativa sobre o dia-a-dia do escritor ameaçado, que vive o tempo todo com cinco policiais que o acompanham 24 horas. Mora passou alguns dias com Saviano e uma das coisas que fizeram foi ir comer uma pizza em Nápoles. No final, a vida é isso: as coisas simples é que valem.
Saviano não pode descuidar nunca. Para comerem esta simples pizza evidentemente foi preciso efetuar operações de alta segurança. E o que ele mais deseja é tomar café tranquilamente em um bar.
Não pode mais, é claro, fazer as coisas mais simples da vida, como sentar em um boteco e conversar amenidades. Sei como é. Tive um amigo que antes de falecer passou seus últimos dias na cama de um hospital. Seu maior desejo era poder ir a uma lanchonete e comer um grande chess-salada como ele sempre gostou.
A guerra do Estado italiano contra as máfias é um ato de coragem. Muita gente já perdeu a vida nesta luta, inclusive altos magistrados. Mas vai se tendo muitas vitórias. Uma das falhas da edição da Folha de S. Paulo na republicação da reportagem de El País foi não informar sobre a prisão de Giuseppe Setola, o chefe do clã camorrista dos Casalese, a família de onde veio a ordem da execução de Saviano.
A prisão de Setola foi em 14 de janeiro deste ano. A matéria republicada ontem na Folha saiu no El País de 8 de fevereiro. Os espanhóis estão atentos à Camorra, até porque esta máfia napolitana avança também sobre a Espanha. Aqui no Brasil este é um tema pouco noticiado. Já o El País deu a notícia sobre a prisão do chefe camorrista, além de cobrir sempre o assunto. No caso do Brasil, a informação sobre a prisão do chefe-máximo camorrista seria muito importante.
Até compensaria o título de mau gosto da edição brasileira, “Enquanto a morte não chega”, que passa uma desesperança contrária ao que está na matéria de El País. Para ler a íntegra no jornal espanhol, clique aqui. É um material muito bem editado, com ótimas fotos da convivência do repórter com Roberto Saviano. Já para ler a íntegra em português, clique aqui.
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POR José Pires
É que não estamos falando de outro mundo. O jovem Saviano vive sob a ameaça de morte da Camorra porque escreveu um livro que chamou a atenção do mundo para seus crimes.
A Camorra domina a região de Nápoles e se entranhou na vida italiana de forma horizontal, sem alarde, impondo o assistencialismo onde falta o Estado e dominando a comunidade com o terror. A receita é bem conhecida nossa. O que os nossos políticos fazem se não isso? E se algum otimista vier dizer que pelo menos não temos o terror, bem, vou convidá-lo a prestar a atenção ao que acontece no interior do Brasil. Ou que ele dê um passeio pela favela da Rocinha.
Na Itália, Saviano chamou a atenção ao problema da Camorra, antes tida como um mal menor, bem abaixo em periculosidade que organizações criminosas italianas mais afamadas, como a Cosa Nostra sicialiana ou a Ndrangheta calabresa.
O Sistema - Gomorra, o livro de Saviano, vendeu mais de 2 milhões de exemplares na Itália desde que foi lançado em 2006. Transformado em filme, venceu o Grande Prêmio do Festival de Cannes no ano passado. No livro, também já publicado no Brasil, Saviano mostrou o real poder da Camorra. Segundo o chefe dos carabinieri de Nápoles, general Gaetano Maruccia, a organização, conhecida internamente como "O Sistema", é formada hoje por pelos menos 80 clãs, mais de 3.000 filiados armados e uma extensa rede de colaboradores.
O que ocorre na Itália é bastante próximo do que ocorre por aqui, no Brasil. A diferença é que estamos em estágio inicial. Mas com um Estado fraco e corrompido como o que temos, a coisa tende a crescer. Ainda mais porque a globalização vale também para o crime. Nada impede que organizações estrangeiras como a Camorra exportem para cá sua experiência. E isso já está acontecendo, de certo modo, em São Paulo, com a ação das máfias orientais sobre as comunidades de imigrantes coreanos.
Apenas a situação vivida por Saviano ainda não é regra por aqui. Nossas pequenas máfias ainda não avançaram contra jornalistas e escritores obrigando-os a viver sob a proteção do Estado. E ainda bem. Já pensaram no ministério da Justiça de Tarso Genro e Lula protegendo alguém da ação de assassinos determinados como os da Camorra? Bem, o pobre não duraria uma semana aqui.
Tarso Genro andou falando mal da Justiça italiana para defender um criminoso condenado por lá, o italiano Cesare Battisti. O trabalho da justiça italiana contra o crime desmente o ministro da Justiça de Lula.
A pressão do crime organizado sobre a liberdade de expressão, inclusive com a morte de quem revela suas atividades podres, é internacional. Na mesma Nápoles de Saviano, a jornalista Rosaria Capacchione, autora também de um livro sobre a Camorra, também vive sob escolta. A Rússia de Vladmir Putin é eficientíssima para apagar as vozes denunciantes. Mata na hora. Vários jornalistas foram assassinados por lá. Mas naquele país não podemos deixar de lembrar a herança stalinista, que vive até hoje em um Estado em conluio com o crime.
O Alvo - Mais próximo de nós, no México, o crime também ameaça bastante jornalistas e escritores. Escritores como o turco Orhan Pamuk foram obrigados a deixar seus países. Na América do Sul, o escritor Gabriel García Márquez também sofreu sérias ameaças na Colômbia.
A liberdade de expressão é também é alvo de grupos políticos fundamentalistas muçulmanos e pelas teocracia que eles colocam no poder. Salman Rushdie é o exemplo mais forte. Diferente do Ocidente, nestes países é o próprio Estado que persegue, encarcera e até assassina as vozes discordantes.
Em um determinado momento, Saviano fala sobre um encontro com Salman Rushdie, cuja morte foi decretada pelo falecido aiatolá Khomeini, figura central do governo iraniano e o iniciador da atual onda fundamentalista.
Pode-se dizer que foi o próprio Estado iraniano que decretou o assassinato do escritor. Logo mais o presidente Lula receberá o racista Ahmadinejad, presidente do Irã. Será que vai perguntar como estão os projetos para matar Rushdie?
Roberto Saviano vive sob proteção do estado italiano desde outubro de 2006, quando o ministro do Interior, Giuliano Amato, decidiu que ele deveria viver escoltado. Até o momento a Justiça italiana garantiu sua vida. Já pensaram se ele dependesse do ministério de Tarso Genro, que criticou a Justiça italiana. Bem, não adianta mandar certas pessoas dobrar a língua.
Em Campanha - A Itália já vive há algum tempo em estado de guerra contra o crime organizado. E aqui? Bem, quando deveriam estar desarticulando e prendendo as milícias que começam a surgir em várias cidades brasileiras e que já dominam amplos setores de algumas, como o Rio de Janeiro, nossas autoridades, incluindo o ministro da Justiça, estão articulando suas candidaturas para 2010. E enquanto isso o crime vai se fortalecendo.
O texto de Miguel Mora sobre Saviano é excelente. Ele entremeia a entrevista com uma narrativa sobre o dia-a-dia do escritor ameaçado, que vive o tempo todo com cinco policiais que o acompanham 24 horas. Mora passou alguns dias com Saviano e uma das coisas que fizeram foi ir comer uma pizza em Nápoles. No final, a vida é isso: as coisas simples é que valem.
Saviano não pode descuidar nunca. Para comerem esta simples pizza evidentemente foi preciso efetuar operações de alta segurança. E o que ele mais deseja é tomar café tranquilamente em um bar.
Não pode mais, é claro, fazer as coisas mais simples da vida, como sentar em um boteco e conversar amenidades. Sei como é. Tive um amigo que antes de falecer passou seus últimos dias na cama de um hospital. Seu maior desejo era poder ir a uma lanchonete e comer um grande chess-salada como ele sempre gostou.
A guerra do Estado italiano contra as máfias é um ato de coragem. Muita gente já perdeu a vida nesta luta, inclusive altos magistrados. Mas vai se tendo muitas vitórias. Uma das falhas da edição da Folha de S. Paulo na republicação da reportagem de El País foi não informar sobre a prisão de Giuseppe Setola, o chefe do clã camorrista dos Casalese, a família de onde veio a ordem da execução de Saviano.
A prisão de Setola foi em 14 de janeiro deste ano. A matéria republicada ontem na Folha saiu no El País de 8 de fevereiro. Os espanhóis estão atentos à Camorra, até porque esta máfia napolitana avança também sobre a Espanha. Aqui no Brasil este é um tema pouco noticiado. Já o El País deu a notícia sobre a prisão do chefe camorrista, além de cobrir sempre o assunto. No caso do Brasil, a informação sobre a prisão do chefe-máximo camorrista seria muito importante.
Até compensaria o título de mau gosto da edição brasileira, “Enquanto a morte não chega”, que passa uma desesperança contrária ao que está na matéria de El País. Para ler a íntegra no jornal espanhol, clique aqui. É um material muito bem editado, com ótimas fotos da convivência do repórter com Roberto Saviano. Já para ler a íntegra em português, clique aqui.
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POR José Pires
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