quinta-feira, 17 de março de 2011

Bem longe de Fukushima, o lobby nuclear está com toda a energia

Enquanto os japoneses enfrentam a crise nuclear, aqui, bem longe de qualquer risco, o lobby nuclear age para evitar o aprofundamento de um debate entre os brasileiros sobre os riscos do projeto nuclear brasileiro. É possível obter energia a partir de fontes limpas e, claro, também sem o risco letal da energia nuclear, que não está apenas nos problemas que podem ocorrer em uma usina, mas também na difícil destinação do lixo atômico e também na mineração para obter o urânio. É todo um ciclo perigoso, do início ao fim, mesmo que não aconteça um desastre como o de Fukushima.

O governo do PT retomou o projeto nucelar depois de 24 anos parado. O nível de eficiência foi elevado às alturas anteontem pelo ministro Edison Lobão, do ministério de Minas e Energias. Segundo ele foram feitos até estudos sobre o comportamento das marés na região por um período de mil anos. Vou repetir, é isso mesmo: mil anos. Eita nóis! É a única usina atômica do mundo com mil anos de garantia.

Hoje quem apareceu para defender o uso de energia atômica foi Aloizio Mercadante, da Ciência e Tecnologia. Para ele, as usinas brasileiras “foram bem construídas” no cenário de riscos do Brasil. “Nossa engenharia é a mais segura”, ele disse. Ou seja, estamos muito melhores que o Japão em energia nuclear.

Bem, para confiar no que diz Mercadante, teríamos que acreditar que os nossos japoneses são mesmo melhores que os deles, o que é só peça de propaganda. A energia atômica é ingovernável. Esta é uma lição do acidente em Fukushima e uma repetição de outros acidentes do passado, inclusive problemas menores com usinas atômicas no próprio Japão que foram escondidos pelas autoridades. E com um desastre nuclear não dá para revogar o irrevogável, como já fez Mercadante com a própria palavra e numa situação de menor — mas infinitamente menor — risco.

O lobby nuclear é forte e com uma capacidade muito grande de ocupação da mídia. Já li muita argumentação leviana sobre o assunto, sempre partindo de uma inverdade no caso brasileiro: de que em nosso país é indispensável o uso da energia nuclear.

São muito interessantes as frases de efeitos que surgem, com comparativos que são engraçados mesmo numa situação trágica dessas. Numa matéria publicada logo depois do acidente, um defensor da energia nuclear disse que os trens na região de Nakashima foram destruídos pelo terremoto, mas não seria por isso que as ferrovias deveriam ser abolidas.

Bem, se um acidente com trens tivesse como conseqüência a contaminação por radiação atômica de vasta região, certamente o uso de ferrovias seria inviabilizado como meio de transporte.

Outra comparação engraçado foi feita por um cientista do Instituto de Engenharia Nuclear da CNEN. Não vou dar o nome, até porque para o azar dele sua declaração saiu no pé da matéria em que o ministro Lobão defende o projeto nuclear brasileiro com um ardor semelhante às defesas da honra do seu padrinho José Sarney.

O cientista, que é também é vice-coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Reatores Nucleares Avançados... ah, então vou dar o nome: Paulo Augusto Berquó de Sampaio comparou o desastre nuclear de Fukushima com algo parecido acontecendo com a usina de Itaipu.

Ele disse o seguinte: “A energia nuclear tem contribuído muito, inclusive para reduzir emissões de gases do efeito estufa e vejo, apressadamente, surgirem argumentações injustas. Já imaginou o que aconteceria com Itaipu diante de um terremoto de 9 graus? Seria uma catástrofe”.

Vejam que ele usa na argumentação um terremoto bem grande na região de Itaipu. Deve ser para ampliar o efeito retórico. O do Japão, que é um lugar de muitos terremotos, foi um pouco menor que isso. E mesmo assim foi o maior já visto por lá.

Mas vamos ficar com esse terremoto de 9 graus em Itaipu. Bem, se for essa mesma Itaipu que temos aí, concordo que seria uma catástrofe. Mas haveria como remediar os danos, mesmo que levasse muito tempo.

Porém, se o terremoto de 9 graus ocorresse numa Itaipu nuclear, bem, aí talvez o lobby viesse com um outro desses argumentos de peso. Talvez o dos trens da região de Fukushima.
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POR José Pires

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