terça-feira, 24 de março de 2009

Sobre John Kenneth Galbraith e o esforço da escrita

Agora com a internet, quando o ato de escrever é fundamental, é sempre bom atentar que esta é uma das atividades mas difíceis que existem. Talvez seja até a mais difícil. A pessoa pode até ser o bamba em sua área, mas escrever sobre o que faz... bem, aí é outra coisa, bem mais difícil. Explico: o Pelé, por exemplo, neste caso não é nem um Tostão, mas já o Tostão é um Pelé escrevendo, já que poucos como ele escrevem tão bem sobre futebol.

Para dar outro exemplo, o sujeito pode ser um bom economista, mas nem sempre escreve bem sobre economia. Escrever, para um bom economista, é uma outra atividade. E pelo que lemos por aí vindo de economistas, parece ser bem mais difícil que ser um bom economista.

Escrever é uma tarefa difícil, nunca é demais repetir, até porque ajuda a amenizar o estrago que um texto pronto causa em nossa auto-estima. Ainda bem que os melhores do ramo sempre afirmam algo parecido. John Kenneth Galbraith, por exemplo, tem um texto ótimo sobre esse tipo de esforço humano muito mais difícil que carregar móveis ou ser presidente da República.

Ando relendo seus textos, sempre com muita atenção no estilo, na aparente facilidade com que ele trata temas difíceis da política e da economia. Um desses textos é genial, uma lição. Saiu no Brasil em um livro editado em 1979 pela Nova Fronteira. Não está mais em catálogo, claro, mas vale a pena correr atrás.

O título do texto é “Escrever e datilografar”, comparação alusiva a uma comentário de Truman Capote sobre a obra de Jack Kerouac, de que aquilo não é escrever e sim datilografar. Kerouac era francamente ruim na escrita, na linha de Charles Bukowski e vários dos chamados escritores "beats". Talvez por uma questão de método. Para fazer sua obra mais conhecida, "On the Road", colou um rolo de papel na máquina de escrever e mandou ver. Nâo preciso dizer que fez isso bebendo. Bem, um bom copidesque depois de passada a ressaca talvez ajudasse a alcançar um resultado de razoável qualidade.

Mas vamos a Galbraith. É um economista importante e esteve próximo a fatos decisivos na história da segunda metade do século vinte. É um verdadeiro liberal norte-americano, intelectual próximo do partido Democrata. Não é um intelectual partidário. Sua ligação com os democratas é daquele modo norte-americano, bem diferente daqui. Tem uma vasta obra: ensaios, programas de televisão e até romances. Dois deles foram publicados no Brasil com tradução de Carlos Lacerda. Sim, ele mesmo. Lacerda era tradutor até de Shakespeare, o que o deixa bem distante da atual qualificação dos políticos brasileiros, apenas entre o roubar ou não roubar.

Galbraith era do grupo de John Kennedy. Foi também embaixador na Índia. É lamentável que não esteja aí para escrever para nós sobre a atual crise do capitalismo, ele que previu tudo isso e que apontava Allan Greenspan, (para mim um dos maiores responsáveis por esta atual tragédia econômica) como um economista ultrapassado e que atendia apenas aos interesses circunstanciais dos Republicanos. E vejam que ele avisava isso quando Greenspan ainda era um sabujo de Richard Nixon.

Galbraith exerceu cargos importantes durante a Segunda Guerra Mundial na área da economia. Outra experiência sua, talvez uma das mais interessantes, pelo menos para mim, foi sua participação nas forças de ocupação do governo dos Estados Unidos na Europa, depois da e vitória sobre os nazistas. Ele tem ótimos relatos sobre esta experiência, que eu vejo como um período essencial para entender a psicologia do ser humano e a história mundial.

Mas o que mais importa aqui é que ele escreve bem demais, o que o referencia neste assunto. Texto dos melhores e numa área, a economia, em que a obscuridade é exercida até como uma obrigação. Sobre isso, ele diz que “em economia, não há proposições importantes que não possam, na verdade, ser formuladas em linguagem simples”. E criticando a grande maioria que não faz isso, afirma que para os economistas “a complexidade e a obscuridade tem valor profissional”. Fazem isso para excluir os que estão de fora ou como forma de conter a concorrência. O estilo obscuro serve também para conservar “a imagem de uma classe privilegiada ou eclesiástica”. Sabemos bem como é isso.

Concordo ipsis litteris. Quem escreve textos complicados geralmente está tentando esconder algo, talvez que não saiba escrever ou que desconhece o assunto tratado, ou lidando com a comunicação como mero instrumento de poder. Galbraith afirma também que esse pessoal usa seus textos mal escritos como “disfarce para pensamentos desleixados, imprecisos ou incompletos”. Isso também vimos bastante.

Outra frase boa sobre a arte de escrever, ele lembra ter ouvido de um amigo, Ralph D. Payne, gerente da Fortune, revista ainda importante hoje, mas de maior qualidade quando essa conversa aconteceu, provavelmente na década de 60. Payne costumava dizer que quem afirmasse que escrever era fácil era um mau redator ou um mentiroso congênito.

Ao contrário, não é nada fácil, volta Galbraith, desta vez citando Voltaire, que dizia que escrever é um processo muito cansativo, que os homens ou as mulheres farão tudo para evitar.

Mas tem um outro trecho que define bem o esforço que é preciso para conceber algo de qualidade. Galbraith fala da sua rotina de trabalho: “Em meu caso, há dias em que o resultado é tão ruim que é preciso um mínimo de cinco revisões. Entretanto, quando estou profundamente inspirado, bastam quatro, antes de, como já disse muitas vezes, eu injetar aquela nota de espontaneidade que até meus críticos mais severos reconhecem.”.

Portanto, quando bater aquela dificuldade para escrever, o que costuma ocorrer sempre, a lembrança do mestre Galbraith labutando nas suas cinco revisões, pode ser um incentivo. Sempre é bom saber que a tela em branco (que na maior parte da vida dele e parte substancial da minha era o papel em branco da máquina de escrever) que nos aflige é algo complicado até para seres de porte intelectual tão alto.
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POR José Pires

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