quinta-feira, 23 de abril de 2009

A democracia sofre em meio ao bate-boca

Se ainda tem alguém que não acredita que há um grave descontrole institucional no Brasil, talvez se convença assistindo à discussão ocorrida ontem no Supremo Tribunal Federal entre o ministro Joaquim Barbosa e o ministro Gilmar Mendes, presidente da corte.

Foi um bafafá. No meio da discussão, o ministro Barbosa exige respeito do presidente Gilmar Mendes e avisa que ele “não está falando com os seus capangas do Mato Grosso”.

Alguns analistas políticos estão dizendo que Lula deve estar rindo de orelha a orelha com as crises que corroem a credibilidade do Judiciário e do Legislativo. Considerando a irresponsabilidade cívica do presidente da República, sempre governando de forma meramente eleitoral, até pode ser que a crise nos outros poderes o faça feliz. Bem, ele que não tem medo de ser feliz com qualquer coisa.

A situação do Executivo também não é das melhores. É até pior. Tanto que nem se discute mais falcatruas que surgem no governo. Já estão dentro da normalidade.

Mas não penso que haja motivo para euforia. A crise que temos aí vai bem além do final do mandato de Lula ou de quem o venha suceder. É uma crise do poder civil, algo bastante grave em um país com o nosso histórico em desrespeito à democracia.

Se algum setor tem motivo pra rir é, sem dúvida, o militar. Não, não estou insinuando a possibilidade de um golpe militar imediato, apesar de acreditar que isso só não acontece em razão da falta de clima internacional para uma aventura do tipo.

Mas a tendência no plano internacional não é de equilíbrio, muito menos no plano político. O agravamento das questões ambientais e o momento final de recursos naturais essenciais, como o petróleo, por exemplo, e da escassez de outros, como a água, indica uma situação internacional bastante complicada dentro de − vamos ser otimistas −, vinte anos.

É bastante preocupante que no momento atual o Brasil ainda não tenha um poder civil instalado com solidez e uma democracia com um mínimo de equilíbrio.

Mas leiam a íntegra da discussão no STF, um bate-boca acalorado que também pode ser visto aqui.
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POR José Pires


Bate-boca no STF

Gilmar Mendes - O tribunal pode aceitar ou rejeitar, mas não com o argumento de classe. Isso faz parte de impopulismo juficial.
Joaquim Barbosa - Mas a sua tese deveria ter sido exposta em pratos limpos. Nós deveríamos estar discutindo....
GM - Ela foi exposta em pratos limpos. Eu não sonego informação. Vossa Excelência me respeite. Foi apontada em pratos limpos.
JB - Não se discutiu claramente.
GM - Se discutiu claramente e eu trouxe razão. Talvez Vossa Excelência esteja faltando às sessões. [...] Tanto é que Vossa Excelência não tinha votado. Vossa Excelência faltou a sessão.
JB - Eu estava de licença, ministro.
GM - Vossa Excelência falta a sessão e depois vem...
JB - Eu estava de licença. Vossa Excelência não leu aí. Eu estava de licença do tribunal.
Aí a discussão é encerrada e os ministros começaram a julgar outra ação. E foi retomada mais tarde com Mendes, na hora que proclamou o pedido de vista de Carlos Ayres Britto. A sessão esquenta e só é encerrada depois que o ministro Marco Aurélio Mello interfere na discussão.
GM – Portanto, após o voto do relator que rejeitava os embargos, pediu vista o ministro Carlos Britto. Eu só gostaria de lembrar em relação a esses embargos de declaração que esse julgamento iniciou-se em 17/03/2008 e os pressupostos todos foram explicitados, inclusive a fundamentação teórica. Não houve, portanto, sonegação de informação.
JB – Eu não falei em sonegação de informação, ministro Gilmar. O que eu disse: nós discutimos naquele caso anterior sem nos inteirarmos totalmente das conseqüências da decisão, quem seriam os beneficiários. E é um absurdo, eu acho um absurdo.
GM – Quem votou sabia exatamente que se trata de pessoas...
JB – Só que a lei, ela tinha duas categorias.
GM – Se vossa excelência julga por classe, esse é um argumento...
JB – Eu sou atento às conseqüências da minha decisão, das minhas decisões. Só isso.
GM – Vossa excelência não tem condições de dar lição a ninguém.
JB – E nem vossa excelência. Vossa excelência me respeite, vossa excelência não tem condição alguma. Vossa excelência está destruindo a justiça desse país e vem agora dar lição de moral em mim? Saia a rua, ministro Gilmar. Saia a rua, faz o que eu faço.
GM – Eu estou na rua, ministro Joaquim.
JB – Vossa excelência não está na rua não, vossa excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro. É isso.
Ayres Britto – Ministro Joaquim, vamos ponderar.
JB – Vossa excelência quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar. Respeite.
GM – Ministro Joaquim, vossa excelência me respeite.
Marco Aurélio – Presidente, vamos encerrar a sessão?
JB – Digo a mesma coisa.
Marco Aurélio – Eu creio que a discussão está descambando para um campo que não se coaduna com a liturgia do Supremo.
JB – Também acho. Falei. Fiz uma intervenção normal, regular. Reação brutal, como sempre, veio de vossa excelência.
GM – Não. Vossa excelência disse que eu faltei aos fatos e não é verdade.
JB – Não disse, não disse isso.
GM – Vossa excelência sabe bem que não se faz aqui nenhum relatório distorcido.
JB – Não disse. O áudio está aí. Eu simplesmente chamei a atenção da Corte para as consequências da decisão e vossa excelência veio com a sua tradicional gentileza e lhaneza.
GM – Aaaaah, é Vossa Excelência que dá lição de lhaneza ao Tribunal. Está encerrada a sessão.

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