segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Feministas fizeram da obra uma bíblia
Mas as feministas tomaram o livro para si. Como costuma acontecer em algo que toca demais as pessoas a escritora perdeu o controle do livro depois de publicado. As pessoas assumiam O Caderno Dourado como seu, fazendo da obra a leitura que lhes convinha. As feministas viam o romance como um tema único, não enxergando nada além de seus próprios interesses no livro. E isso sempre desagradou à escritora porque encerra o livro em um círculo fechado que afasta os demais leitores.

E O Caderno Dourado trata exatamente desse “fechamento”. Foi escrito para se purificar desse mal. Uma carta recente que ela destaca na autobiografia mostra bem as transformações criadas pelo livro. “Acabei de ler O Caderno Dourado. Não sabia que as mulheres falavam de alguma coisa que não fossem bebês”, um homem escreve do México. E diz que deu o livro para sua mulher.

Ela também disse que encontra sempre mulheres que dizem que leram o livro e tiveram suas vidas mudadas por ele. E que suas filhas também leram e que as netas estão lendo.

Em sua opinião, escrever o livro operou uma mudança também nela. Embora ela tivesse descartado o comunismo, ainda tinha todas as estruturas mentais do comunismo, estruturas que, acredita, também dominam o pensamento de pessoas que nada tem a ver diretamente com a ideologia. É uma estrutura fixa, com códigos que impregnaram a sociedade.

Vargas Llosa, que gosta muito do livro, ressalta que Doris Lessing se antecipou à sua época. E o escritor peruano é uma pessoa indicada para fazer tal análise, pois além de ser um ensaísta de grande qualidade estava em Londres no início da década de 60, época em que o romance foi lançado. Além disso, ele também sofreu os mesmo tormentos ideológicos e a desilusão com o marxismo sofridos pela autora e que são muito importantes no romance.

Para ele, O Caderno Dourado perdura na memória “como somente conseguem os romances bem-feitos”. Doris Lessing conseguiu o feito que dezenas de escritores tentaram sem sucesso nos anos de 1950 e 1960: “capturar o espírito da época, com suas grandes ilusões, seus terríveis fracassos e as profundas transformações históricas”.
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POR José Pires

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