sexta-feira, 14 de maio de 2010

Norma Bengell e Mandela: o marketing mandando na política

Ainda sobre o programa de ontem do PT, que foi usado inteirinho para a campanha eleitoral de Dilma Roussef, é óbvio que a escolha de Nelson Mandela como figura, digamos assim, emblemática do programa traz uma relação com o 13 de maio, dia da Abolição da Escravidão. Dilma até faz uma alusão a isso no final do programa. Eles tentam fazer da data o "Dia Nacional de Luta Contra o Racismo", mas para a maioria dos brasileiros isso não pegou.

Mas o que é que o Mandela tem a ver com isso? Nada, além de ser do continente de onde vieram os escravos para o Brasil, mas marqueteiro costuma criar essas supostas relações simbólicas que, no fundo, não tem significado algum.

Mas fazem na política o que vinham fazendo na propaganda comercial antes do marketing político começar a dar dinheiro. Propaganda é uma cultura superficial que não admite análise crítica muito apurada de produto algum.

Já imaginaram o Duda Mendonça analisando profundamente uma dessas porcarias que eles vendem nos supermercados para avaliar se aceita ou não fazer a propaganda do produto? Bem, seria o mesmo que pedir que ele avaliasse a honestidade do Maluf. O pobre do Duda estaria hoje com suas comemorações regadas com vinho Sangue de Boi ou coisa pior.

O raciocínio que colocou Mandela na propaganda da candidata do Lula é o mesmo que levou a campanha petista a usar uma foto da Norma Benguell para parecer a Dilma. É simples, nem precisa desenhar. Lá precisavam de uma imagem para caracterizar o perfil feminino da candidata. E como o programa do PT de ontem foi veiculado num 13 de maio, então pegaram um líder negro para fazer figura. Esse deve ser o tal do "elo de ligação" de que tanto falam.

É simples assim. Parece idiota no aspecto intelectual e bem amador até para publicidade. E isso é que é. A técnica indigente é que leva também alguém a escrever aquilo que saiu na boca do Lula, que Dilma tem a "ternura e a sensibilidade dos mineiros e a intrepidez dos gaúchos". O que querem dizer com isso? Me parece que estão dizendo que os mineiros são uns bananas.

Mas o grande problema mesmo é esta superficialidade da propaganda ter contaminado a política em seu todo. Hoje nossos políticos vão apenas no que parece certo para obter ganho eleitoral. E política feita assim deixa de ter sentido, pois atinge apenas fins particulares.

Nem dá para imaginar alguém como Abraham Lincoln baseando-se em pesquisas eleitorais ou qualitativas para tomar algum rumo na política, Bem, nem estaríamos aqui discutindo o assunto, pois se Lincoln não agisse inclusive contra a opinião pública de sua época com certeza o mundo seria outro.

E já que estamos falando em 13 de maio, o exemplo serve também, pois bem sabemos que se dependesse da percepção da sociedade brasileira na época sobre a questão da escravidão a abolição não sairia de jeito nenhum.

Este fenômeno da publicidade tomando a frente da política é trágico, mas não deixa de ser bem interessante. Os publicitários, que de início eram contratados apenas para servir ao interesse eleitoral imediato dos candidatos, são hoje os definidores conceituais e até do conteúdo da política brasileira, pois nossos políticos nunca responsabilidade administrativa. Como não descem do palanque, estão sempre à reboque do marketing.

A gramática da política contaminou-se de tal forma pelo marketing que hoje fica difícil saber se o que sai da boca de um político vem do seu cérebro ou de alguma pena alugada.

Uma função essencial da política é a construção de novidades ainda sem aceitação entre as pessoas. Muitas vezes a ação política tem até de ser contrária a conceitos firmados socialmente. Isso, evidentemente, é impossível de ser obtido com a associação entre política e marketing.

Sem essa qualidade da política fica muito difícil promover avanços políticos e culturais ou em qualquer setor da sociedade. Este papel dos políticos, aliás, é importante até para as atividades de fato comerciais dos publicitários. Dessa forma, a publicidade pode até ter produtos de mercado melhores para vender.
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POR José Pires

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