sábado, 22 de maio de 2010

Ética para profissionais

Já disse aqui que a campanha do PT tem dois departamentos aliados: o departamento de criação e o da explicação. Este último é muito importante, pois explica o que a criação tentou fazer e até sai a campo para amenizar os ferimentos quando o tiro atinge o próprio pé.

O espírito criativo petista evidentemente não emana apenas do núcleo da campanha. Nada disso, como petista é um ser altamente criativo — nisso ninguém ali é uma pessoa comum, como diria Lula — de todos o cantos surge uma sacada política.

Nesta semana foram duas as ideias geniais que se destacaram. A Marta Suplicy entrando na campanha com dois pés (no Gabeira) e a TV Brasil fazendo provocação com o candidato José Serra. Numa coletiva um repórter da TV do Lula perguntou ao Serra se ele vai acabar com o Bolsa Família.

Já falamos aqui da fala da Marta e se ajunto sua sujeira com a da TV Brasil é não só pelo caráter similar das ações, mas porque ambas têm a mesma origem, mesmo que a decisão não tenha cindo exatamente do mesmo grupo de pessoas. Apesar de que não me espantaria se um dia aparecer a revelação de que foi mesmo desse jeito que houve a decisão.

A provocação feita pelo profissional da TV Brasil tinha a evidente intenção de colher uma imagem de Serra se alterando. A tropa de choque petista já percebeu que esse pode ser um ponto fraco do tucano. Já falam bastante disso nos blogs chapas-brancas e tentaram pegar o Serra na rápida discussão que ele teve com a jornalista Miriam Leitão, mas não colou. Apesar de ter sido mais rigoroso com a jornalista que de costume, foi sem nenhuma grosseria.

A pergunta sobre o Bolsa Família veio dessa tática. Mas como não deu certo, foi necessário o rápido recuo da direção da TV Brasil, que veio com a conversa de que vão preparar um “manual” para evitar esse tipo de problema.

O recuo é tão maroto quanto a pergunta capciosa. Já sabem que não conseguirão nada por aí, então o negócio é amenizar os danos. Mas e se a provocação desse certo? Bem, então teriam colhido imagens desastrosas para o tucano e ótima para a campanha da candidata do Lula. Aí, garanto que não apareceria "manual" algum.

Mas como a questão é ética, chega a ser até engraçado que tenham que criar uma regras lá na TV Brasil para que seus jornalistas cubram esta eleição de forma honesta. Profissional ético, é? E como será que são em casa essas pessoas? Bem, eu sou da opinião de que deviam evitar esse trabalho. Para evitar o que foi feito na coletiva com Serra, basta não combinar antes na redação.

O “manual” para a cobertura das eleições será adotado pela EBC (Empresa Brasileira de Comunicação) a partir da próxima semana, segunda sua presidente, a jornalista Teresa Cruvinel.

Isso parece aquelas discussões sobre “ética jornalística” que o pessoal da esquerda gosta tanto. Parece que existe até esta aula nos cursos de jornalismo, estou certo?

Nisso eu penso como o velho Cláudio Abramo, um dos fundadores do moderno jornalismo no Brasil. Não existe uma ética específica do jornalista. Sua ética é a mesma do cidadão. Abramo, reformulou nos anos 50 e 70 dois importantes diários, o Estadão e a Folha de S. Paulo, com uma completa mudança no primeiro e fazendo do segundo um jornal de verdade, o que a Folha nunca foi antes de ele ser seu editor.

Abramo dizia que ética de jornalista é um mito que precisa ser desfeito, no que concordo absolutamente, até porque essas conversa de “ética jornalística” tem servido mais é para ocultar a discussão sobre os reais problemas da profissão.

Para mim, Abramo já definiu essa questão há muito tempo, de forma inteligente e até com ironia, o que é necessário nesse tipo de debate hipócrita. “O cidadão não pode trair a palavra dada, não pode abusar da confiança do outro, não pode mentir. No jornalismo, o limite entre o profissional como cidadão e como trabalhador é o mesmo que existe em qualquer outra profissão”, ele dizia.

Então para uma profissional antiga como Teresa Cruvinel, que está sob a chefia de Franklin Martins, outro velho jornalista, um profissional precisa ter regras internas para saber que perguntar ao Serra sobre a extinção do Bolsa Família nesta altura da eleição nada mais é que um golpezinho eleitoral? Bem, aí a situação se complica: só não é culpado quem alegar incompetência.

O grande Cláudio Abramo também dizia algo importante sobre ética. Vamos ouvir o mestre. “Os chefes e os responsáveis pelo jornal têm que dar o exemplo ao pessoal mais novo, senão é o caos”.

Mas aí tudo se complica de vez na TV Brasil. A diretora de jornalismo da emissora é Helena Chagas. Para quem não se lembra, Helena Chagas esteve no centro do escândalo da quebra de sigilo do caseiro Francenildo e não foi fazendo a cobertura jornalística do caso.

Foi dela que veio a informação de que Francenildo havia recebido uma grande quantia de dinheiro em sua conta na Caixa Econômica Federal, a deixa para a quebra de seu sigilo e para os governistas começarem a acusá-lo de receber dinheiro da oposição.

Em depoimento à Polícia Federal, Palocci disse ter recebido da jornalista a informação de que o caseiro Francenildo “tinha um bom dinheiro”. Na versão da jornalista a informação chega por outra via ao ministro, que acabou caindo do cargo em função do escândalo. Ela disse que comentou com o senador Tião Viana (PT-AC) ter ouvido de seu jardineiro que Francenildo teria recebido dinheiro. Viana então levou a notícia para Palocci.

O episódio acabou causando a demissão da jornalista do cargo de diretora da sucursal do jornal O Globo em Brasília. Sua colega da TV Brasil, Teresa Cruvinel, também trabalhava no jornal, onde tinha uma coluna política. O chefe de todos, ministro Franklin Martins, era também do mesmo grupo, atuando na TV Globo.

Os três estiveram em cargos importantes na TV Globo e no jornal O Globo em momentos importantes do governo Lula, como o caso do mensalão e a quebra do sigilo do caseiro. Helena Chagas comportou-se do modo que se viu no caso do caseiro.

Contra Teresa Cruvinel, que tinha uma coluna importante no jornal, e Franklin Martins, que era comentarista da televisão em horário nobre, não existe nenhuma comprovação de favorecimento direto do governo Lula. No entanto, são muito os reparos ao trabalho dos dois durante crises cruciais no governo petista.

E no final, com Lula reeleito, foram todos servir ao governo que tiveram a responsabilidade de cobrir como jornalistas.
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POR José Pires

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