segunda-feira, 24 de maio de 2010

Novidadeira e ansiosa para botar catraca na internet

Os outros jornais devem estar mesmo morrendo de inveja. A redação da Folha é um celeiro de gênios segundo... a própria redação da Folha.

Leio, por exemplo, no caderno que fizeram para exaltar a reforma que a renovação gráfica “facilita a leitura, reforça a organização das páginas e aumenta a identidade entre os cadernos do jornal”. Uau! Como é que O Globo, o Estadão, ou qualquer outro concorrente não pensou nisso antes.

É o que dá jornalista começar a escrever feito publicitário. Acaba sempre ficando pior que a própria publicidade porque o critério de avaliação de um texto supostamente jornalístico é sempre acima, mas bem mais alto mesmo, do que a leitura de um anúncio.

O texto sobre a reforma faz uma relação entre o impresso e a internet. E aí deve ter alguma sacada genial que não peguei. Aliás, não pegamos, pois se existe hoje uma unidade de pensamento sobre a relação entre o impresso e a internet é a de que cabe ao impresso dar ao leitor mais conteúdo, não só na qualidade quanto na quantidade.

E a Folha passa a partir desse domingo a ter menos conteúdo, já que aumentou bastante a fonte do jornal. Nem vou falar da qualidade, mas por aí este foi um domingo também difícil com a manchete de primeira página que coloca o futuro de Lula entre a ONU e o Banco Mundial.

Mas, voltemos à reforma. Os jornais brasileiros já tinham perdido bastante espaço com o corte de papel feito em 1992. Por medida de de economia os jornais brasileiros, quem tinham até então 35 centímetros de largura, sofreram um corte que os deixou com 32 centímetros. Quem trabalha em jornal sabe como estes três centímetros de corte alteram bastante a quantidade de texto.

E é curioso que no gráfico (hoje chamam de "infográfico", mas é a mesma coisa) publicado neste caderno explicativo tenham lembrado que houve um "corte de papel", mas não disseram exatamente como. Eu acho que tem malandragem, aí. É óbvio que só quem é do ramo é que vai lembrar como foi. Mas, enfim, é isso que dá colocar jornalista para fazer publicidade dos feitos da empresa.

Este projeto sacrifica ainda mais o texto. Ou seja, vão a contramão da opinião da maioria dos analistas deste assunto. O jornal passa a utilizar uma letra maior, o que significa menos espaço para os textos. Vou dar um exemplo: com a fonte nova a cada 35 linhas de uma coluna o jornal (e o leitor) perde duas linhas.

A fonte foi desenhada por uma dupla de norte-americanos especialmente para o jornal, o que é, novamente, só recurso de publicidade. A Folha adora essas superficialidades que nada trazem de qualidade ao jornalismo e nem às artes gráficas. Já existem dezenas de fontes apropriadas para para fazer uma publicação bonita e eficiente para a leitura e quase todas essas letras tem até mais de um século.

A letra que o jornal usava anteriormente, de nome Folha Serif, também era feita exclusivamente para eles. O que aconteceu? É mais uma novidade da Folha. Uma fonte muito usada, como a Garamond, é de 1530, mas temos outras muito populares e bem mais novas, como a Times New Roman, que é de 1931. A fonte exclusiva, que era uma novidade anterior da Folha, mal completou 15 anos.

Não sei o que os donos da Folha pretendem com um jornal com menos conteúdo, mas tenho
certeza de que nesta linha a estratégia de conquista de leitores desta era pós-internet fica ainda mais capenga. Não sou dos que acham que as dificuldades dos jornais impressos surgiram com a internet. Sou até bem mais discordante nesta questão. Para mim, a internet nem sequer agrava problemas que já vinham se acumulando muito tempo antes da WEB.

Na verdade, a internet pode até ser uma ferramenta para ajudar na solução da queda do número de eleitores dos impressos. Ninguém tem a fórmula de como isso deve ser feito, mas várias publicações vêm tentando agregar esta força extra e algumas vem fazendo isso com acerto. Não existe ainda receita alguma para isso. Todos ainda lutam para descobrir até como tirar dinheiro da internet nesta área. Porém, este é um processo em andamento, o que todos sabem é que é preciso marcar lugar na WEB.

A Folha é um jornal que tem errado bastante neste aspecto. E o curioso é que é a primeira empresa a ter um site jornalístico na internet. Para se ver que pioneirismo não é tudo, muito menos na internet.

Desde que Otávio Frias Filho pegou o jornal das mãos de Cláudio Abramo, a Folha virou um jornal novidadeiro. A remexida que Abramo deu no jornal na década de 1970 transformou a Folha em um jornal de fato, o que ela nunca foi antes. Era um jornaleco de província.

A história da "fonte exclusiva" é só um ponto dessa busca incessante (e talvez excitante) pelo novo. Neste domingo trazem mais esta novidade, mas é só isso. Na realidade, não há nenhuma transformação de qualidade e ainda vieram com uma reforma visual que implica em cortes substanciais no conteúdo, o que acaba sendo um erro numa época em que todos dizem que os jornais só sobrevivem se derem mais do que a internet oferece.

Eles sempre insistem no fato de que Folha é “o primeiro jornal em tempo real na língua portuguesa”. É a propaganda mais anacrônica que existe: são pioneiros em um processo que se renova a todo instante e no qual todo interesse está no que se faz agora. E em vez de caprichar no espetáculo ou trazer argumentação de peso para este debate, só sabem a ladainha da cobrança de entrada. Só pensam na danada da catraca. Os pioneiros ficaram para trás. E neste momento quem está fazendo a coisa certa internet são outros jornais e não a Folha.
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POR José Pires

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