quinta-feira, 6 de maio de 2010

Pelo telefone

O caso do secretário nacional de Justiça, Tuma Júnior, flagrado em conversa fraterna com um dos chefes da máfia chinesa, conhecido como Paulo Li, aponta para um problema grave de que venho falando há alguns anos, que é a influência crescente do crime organizado na corrupção do setor público. Esse fenômeno vem gradativamente e não é de hoje, mas pelo jeito a interação entre agentes públicos corruptos e o crime já cresceu a ponto de começar a haver um controle do crime sobre o Estado.

Da lavagem de dinheiro, como coadjuvantes da corrupção no Brasil, os bandidos saltam para o papel de protagonistas de esquemas corruptos ligados ao poder público. E pelo teor dos diálogos gravados pela Polícia Federal, se comportam como chefes de importantes agentes públicos. Só um presidente como Lula poderia tentar inocentar Tuma Júnior a priori, como fez quando foram divulgadas as garvações telefônicas.

Mesmo que não fosse comprovada nenhuma ilegalidade na relação entre ele e o mafioso, teríamos no mínimo uma situação tragicômica: o secretário nacional de Justiça e o chefe mafioso seriam, então, apenas bons amigos. Lula poderia talvez convocar a imprensa para dar a boa nova.

A questão que envolve o secretário nacional de Justiça, um cargo ligado diretamente ao gabinete do ministro da Justiça, e, claro, dali para o presidente da República, leva a um raciocínio muito simples e aterrorizante: se o chefe da máfia tem tal intimidade com o próprio secretário, dá para imaginar o nível de atuação da máfia entre os funcionários menos graduados. As conversa entre Tuma e o criminoso indicam uma proximidade a ponto dos dois dividirem o mesmo quarto de hotel.

As ligações telefônicas também revelam o chefe da máfia influindo no processo de anistia para imigrantes chineses ilegais. Para mim, este é o elemento mais preocupante na conversa entre o secretário nacional de Justiça de Lula e o mafioso.

Recentemente Lula sancionou uma anistia a estrangeiros em situação irregular no país. Pelos cálculos do Ministério da Justiça, são em torno de 50 mil pessoas beneficiadas. Entidades internacionais dizem que é bem mais: seriam cerca de 200 mil os estrangeiros em situação irregular.

Não vou entrar no mérito desse tipo de anistia, mas temos que questionar o papel regulador e fiscalizatório do governo numa situação tão séria, tendo à nossa vista este caso que revela uma falta de controle do ministro da Justiça até sobre o que acontece ao lado de seu gabinete.

A visão no Brasil sobre imigração estrangeira é sempre muito simplista, como se a massa de imigrantes que chega ao nosso país fosse toda composta de gente honesta, pobres trabalhadores que vêm para cá para contribuir para o progresso brasileiro. Não é preciso ser da polícia para saber que a coisa não é exatamente assim.

Não se pode fechar os olhos ao que vem de muito ruim de fora do país. São criminosos que oprimem de todas as formas inclusive seus próprios conterrâneos.

Sem um controle firme da imigração fica difícil combater as máfias. E se este controle está com as próprias máfias, como parece que ocorre, aí então fica impossível conter a globalização do crime, um problema gravíssimo enfrentado hoje no mundo.

Quando Lula sancionou a lei de anistia , em julho do ano passado, o secretário Tuma Júnior, aplaudiu dizendo que a medida "humaniza a questão migratória". Ah, bom. O problema é que agora nas gravações o secretário aparece atuando como uma espécie de despachante do chefe mafioso. Desde que a lei foi sancionada, o chinês vem intermediando a aprovação de processos de anistia.

Nas conversas com Tuma Júnior o tema era muito mencionado. "Está todo mundo esperando a anistia, hein, caramba!", dizia Li ao secretário, que cuidou tão bem do assunto que no dia em que a lei foi sancionada colocou o chefe mafioso ao lado do presidente Lula, em Brasília.

Se fosse uma cena de filme, logo seria taxada de inverossímil. É mesmo inacreditável a presença de um mafioso na solenidade de assinatura de uma lei pelo presidente da República. Aqui vale o jargão de Lula: nunca neste país se viu um chefe mafioso em tal situação.

Isso lembra aquela velha cena de filmes policiais estrangeiros em que o bandido foge para o Brasil para levar uma vida boa. Mas bandidos bonachões como o inglês Ronald Biggs são também coisa do passado. Hoje no mundo do crime internacional a barra é pesada, sem nenhum espaço para para romantismos.

O Brasil é um país cada vez mais procurado pelas máfias. A máfia coreana age muito em São Paulo e já praticou vários assassinatos entre a comunidade coreana da capital. As máfias africanas também usam o país como escala de tráfico. Até a perigosíssima Camorra napolitana já plantou suas raízes por aqui, investindo em vários setores, inclusive na construção civil.

Esses criminosos ainda não fazem no Brasil o tipo de pressão sobre a sociedade civil que para eles é comum em seus países de origem, como agressões e até assassinatos de advogados, jornalistas e também de juízes. A atuação de máfias transformou a Itália em um inferno com este tipo de ação, o que levou a criação da Operação Mãos Limpas. E dizem que foi este cerco levantado pelas autoridades italianas que levou a Camorra a procurar o Brasil.

Já temos a informação do nível de poder alcançado pela máfia chinesa, mas esta não é a única operando no país. Com a revelação dos bate-papos amigáveis pelo telefone entre o secretário nacional de Justiça e o mafioso, o país não pode deixar de temer pelo que está acontecendo em relação às demais máfias.
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POR José Pires

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